quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


Por Marcelle Gilla Sestare

Primeiramente, é importante salientar que, o objetivo deste texto é trazer para discussão alguns aspectos referentes à luta pela independência de Cabo Verde frente a Portugal. Serão abordados três pontos em essencial: a criação do PAIGC, a ajuda dos países socialistas e os conflitos internos que levaram ao fim do regime monopartidário. Antes, faremos uma pequena introdução da história de Cabo Verde, um conjunto das ilhas inabitadas, que, com o descobrimento pelos portugueses em 1460, foi povoado a partir dos modelos de Portugal.

De início, a vida em Cabo Verde era baseada no comércio com a costa Africana e, posteriormente, com a Europa e a América devido ao tráfico negreiro. O povoamento foi feito por diversas etnias vindas da costa Africana, o que, possivelmente poderia ajudar na inserção das práticas portuguesas, e populações da metrópole. Porém, devido a problemas financeiros enfrentados pela coroa, esse povoamento não ocorreu como o pretendido. Além do fato de Cabo Verde não apresentar maiores recursos de sobrevivência para os moradores. O processo de mestiçagem iniciou-se porque havia insuficiência de mulheres brancas, fazendo com que os senhores brancos juntassem-se com uma ou mais escravas. Referente às particularidades das ilhas, cada uma tinha suas próprias características.

Desde o início do povoamento, houve diversas formas de resistência frente à dominação colonial, devido aos maus tratos do regime colonial. Com a independência do Brasil, em 1822, surgiram revoltas mais marcantes em Cabo Verde, a exemplo, a dos camponeses na Ribeira dos Engenhos. Em 1936, surge o movimento Claridoso, com Baltazar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, a fim de afirmar a identidade cabo-verdiana e o nativismo literário. O movimento Claridoso pode ser considerado como um suporte que, mais tarde, serviu para a luta de independência. Segundo Martins:

“Pode, assim, constatar-se que o cidadão cabo-verdiano desde os primórdios da colonização sempre gritou pela liberdade e autonomia, embora essas formas de manifestação não tivessem grande importância internacional, mas sim a nível nacional.” (MARTINS, 2009, p. 43)

Apoio Socialista


No nível internacional, a luta só foi conhecida a partir do momento em que Amilcar Cabral e seus companheiros – PAIGC – fazem sentir a sua luta, com a ajuda do desenvolvimento dos meios de comunicação. Por ser o partido dominante, não houveram conflitos entre partidos nacionalistas, o que fez o processo de independência ser mais fácil. Com final da Segunda Guerra Mundial as potencias coloniais ficaram enfraquecidas, e, o mundo socialista interessou-se pelo continente africano. A Europa estava dividida em campos antagônicos: socialista e capitalista. O mundo socialista via-se como o guardião da independência africana. O que influencio o fato do PAIPG ter tido apoio da URSS, China, Cuba e Argélia. A China, por exemplo, acreditava que por ter vivenciado uma experiência análoga à da África, estaria bem posicionada para ajudar o continente, compreendendo os problemas do colonialismo, ajudando-os a conduzir com sucesso o processo de descolonização. Além de custear a construção de uma linha férrea, ligando a Tanzânia a Zâmbia, conhecida como TAZARA. A guerra do Vietnã também influenciou os africanos, que consideravam ter um inimigo em comum com os vietnamitas. Com a vitória vietnamita, encerrou-se o mito de que apenas o poderio militar fosse a chave para vitória. Já Portugal, parecia não estar disposto a reconhecer a autonomia das colônias, tanto que uma de suas medidas foi tentar isolar suas colônias dos “vizinhos”. Vale salientar que Portugal foi o ultimo império colonial a aceitar a independência de suas colônias, em 1975, e segundo Martins, dando inicio a uma das guerras civis mais trágicas da descolonização, em Angola.

Origem do PAIGC

O PAIGC – Partido para Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde – tinha como objetivo a libertação de Cabo Verde e Guiné Bissau. Surgiu a partir de movimentos estudantis. Tinha como molde o monopartidarismo soviético, e tinha como estratégia de luta a questão cultural. Segundo Cabral:

“[...] devemos dizer concretamente, que a própria criação do nosso Partido, que planificou e avançou a nossa luta de libertação nacional, é um facto de cultura. É uma prova clara da resistência cultural, porque nós queremos ser nós mesmos, africanos da Guiné e Cabo Verde e não tugas.” (CABRAL, 1974, p. 187)

O partido foi fundado em 1956, na Guiné Bissau, por Amilcar Cabral e mais cinco patriotas. O retorno às raízes (ou as fontes) era a preocupação dominante entre os intelectuais africanos que se consideravam revolucionários. Para Amilcar Cabral, a falta de uma ideologia era um problema grave a luta pela libertação nacional. Segundo Cabral, era preciso acabar com a colonização mental feita pelos europeus:

“Devemos trabalhar muito para liquidar na nossa cabeça a cultural colonial, camaradas. [...] o colonialismo meteu-nos muitas coisas na cabeça. E o nosso trabalho deve ser tirar aquilo que não presta e deixar tudo que é bom.” (CABRAL, 1974, p. 188)

Não houve luta armada em Cabo Verde, devido a sua condição geográfica, porém, esta ocorreu em Guiné Bissau. E esta foi vitoriosa pelo fato das tropas portuguesas desconhecerem o seu terreno interior, além da população apoiar os militantes. Entre a Guiné e Cabo Verde, sempre houveram diferenças sócio-culturais, porém as políticas de governação eram adaptadas, e Cabo Verde sempre ficava em vantagem. Nem todos os cabo-verdianos eram partidários do PAIGC, tanto que foram criados outros partidos como o UPICV (1956), que se recusava á união com a Guiné. Foi criado também a UDCV, que não queria a independência, pois tinha como objetivo, manter a relação com Portugal. Amilcar desejava a união da Guiné e Cabo Verde, porém nem todos guineenses e cabo-verdianos compartilhavam do mesmo desejo. No seio do partido, era possível encontrar diversos conflitos, por causa da matriz ideológica, e isso só não prejudicou a luta pelo fato dos objetivos estarem bem traçados. O importante é que, foi com o PAIGC que Portugal negociou a independência da Guiné e de Cabo Verde, porém, exigiu que as independências fossem tratadas separadas. E, mesmo após a morte de Cabral, o partido continuou, e luta também. Porém, com a sua morte, a destruição do partido e o fim da unidade guineense – cabo-verdiana, mostram as contradições existentes dentro do PAIGC.

Monopartidarismo: início e fim

Cabo Verde se torna independente em 5 de julho de 1975, baseando-se nas idéias de Amilcar Cabral, com Aristides Pereira eleito como presidente da república. Com a Independência, o regime monopartidário entrou em vigor, e com isso, alguns membros da elite intelectual começaram a se desligar. O Estado tinha o poder de controlar tudo: a política, a economia, os investimentos estrangeiros. Como justificativa, era dita que seria uma necessidade para garantir a unidade colonial. Outra justificativa para afirmar o monopartidarismo, consiste no fato de ter sido o PAIGC que lutou pela independência, logo, caberia a ele ser responsável pela unidade nacional, já que se julgava o criador do Estado de Cabo Verde. E mesmo que o regime tivesse um caráter autoritário, este foi mais ameno, se comparado aos outros países Africanos. Como exemplo pode-se citar as guerras civis em Angola.

A ausência de luta armada em Cabo Verde fez com que sua independência não fosse reconhecida de imediato. E alguns portugueses e cabo-verdianos acreditavam que Cabo Verde ganharia mais se estive ainda como território português. Outros acreditavam que Cabo Verde poderia ser independente mantendo relações com Portugal. Ainda, algumas comunidades cabo-verdianas, instaladas nos Estados Unidos da América, eram contra o PAIGC. O partido único tinha controle de tudo, o que não impediu o surgimento da oposição, o que, até mesmo em seu interior, existia.

O desenvolvimento dos meios de comunicação, mais uma vez, tive efeitos em Cabo Verde, pois com isso, a comunidade internacional passa a defender o respeito pelos direitos humanos e políticos e a expansão da democracia. O grupo composto pelos que participaram da luta armada impôs sua hegemonia no partido, eles ocupavam os cargos mais altos. Havia uma idéia de que aqueles que “combatera”, “doaram” a liberdade ao “povo” cabo-verdiano, logo, seriam “os melhores filhos da terra”. De acordo com Anjos, esse discurso teria um princípio de sacralização do poder. Segundo Anjos:

“se a revolução visa “um novo homem”, “os melhores filhos da terra”, isto é, aqueles que combateram, são a encarnação, no presente, do futuro que se pretende para o resto da população” (ANJOS, 2006, p. 203)

Porém, com o passar do tempo, essa justificativa, já não se sustentava:

“Se a elite do PAIGC soube ao longo de vinte anos de governo contruir a crença no valor social dessa instituição-nação, contudo sempre esteve longe de alcançar o consenso que sempre propagou ideologicamente e, muito menos, a unidade de intelectualidade”. (ANJOS, 2006, p. 199)

Houve também uma sacralização em relação a figura de Amilcar Cabral, como o herói nacional, “herói fundador” e “militante nº 1”. O partido quem atribuía sentido a realidade, criando uma relação de poder com o sagrado. Essas representações de poder consistiam na manipulação do mito, por aqueles que estavam no controle. O objetivo era reconstruir a legitimidade do PAIGC, por meios de rituais e discursos de nacionalismo, reativando ressentimentos difusos na sociedade, canalizando o ódio ao inimigo, aquele que colocaria em risco a nova nação (ANJOS, 2006, p. 200). Essa invenção da nação cabo-verdiana foi feita a partir de modelos burocráticos exteriores a ela, juntamente com a reinvenção da tradição com os símbolos da nacionalidade emergente.

Em 1990, surge o MpD – Movimento pela Democracia – que conduz manifestações pela adesão de um regime pluralista. A direção do PAIGC chega a reconhecer o regime monopartidário como um regime que tende a eliminar a liberdade, porém, para ele, seu exercício de poder teria impedido que isso acontecesse. Contudo, o regime nunca é apresentado como autoritário. Assim, a insatisfação dos grupos populares leva ao fim o regime monopartidário.

Conclusão

Podemos perceber que, uma das mudanças mais fundamentais dos anos 60 foi a descolonização, já que mais da metade dos países da África estavam conquistando a independência. Porém, todas as conquistas referentes a essas lutas ocorreram de acordo com os grupos que obtiveram maior poder e influencia. Se essas conquistas foram bem conduzidas ou não, não cabe aqui responder. O interessante é analisar como, de fato, esses eventos históricos ocorreram e, analisar o contexto, a fim de perceber as reais intenções das partes envolvidas. A colonização, de maneira mais branda, ou não, sempre será considerada ruim e desumana. Porém, a ajuda dos socialistas para independência dos países africanos não poderia se basear apenas na comoção pelos direitos humanos. Houve uma grande influencia do fim da Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. E ao apoio internacional pela democracia em Cabo Verde, provavelmente não ocorreu devido aos simples desejos de que todos pudessem viver em um país democrático, com liberdade “de ir e vir”. É importante também salientar que, mesmo lutando pelo fim da colonização, o PAIGC não foi tão homogêneo quanto quis mostrar. Dentro do mesmo houveram divergências, o que ao fim levou a divisão do partido. Além da contradição entre idéia de liberdade nacional e regime monopartidário autoritário.

De fato, muitas considerações podem ser feitas a respeito do tema.

Referências Bibliograficas:

ANJOS, José C. Gomes. Cap. 5 “A era do melhores filhos da terra” e cap. 4 “O nacionalismo cabo-verdiano”. In: Intelectuais, literatura e poder em cabo verde: lutas de definição da identidade colonial. Porto Alegre: UFRGS, 2006.

___________________________. Elites Intelectuais e a Conformação da Identidade Nacional em Cabo Verde. In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, nº 3, 2003, pp.579-596

CABRAL, Amilcar. “Resistência cultural”. In: PAIGC. Unidade e Luta. Lisboa: Nova Aurora, 1974.

TIAM, Iba Der; MULIRA, James. Cap. 27 “A África e os países socialistas”. In: História geral da África, VIII: África desde 1935 / editado por Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. Brasília: UNESCO, 2010.

MARTINS, Amarilis Barbosa (2009). Relações entre Portugal e Cabo Verde antes e depois da independência. Dissertação de mestrado apresentada na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

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