quinta-feira, 28 de julho de 2011

Eram apenas livros


Por Leonardo Bispo Santos


      Certa noite, em uma Universidade muito bonita, localizada em um local bem distante, chovia muito forte. Dentro da biblioteca estava ocorrendo uma algazarra generalizada, muito barulho. Eram vozes exaltadas, pois acontecia um debate meio que não planejado. Em uma universidade discussões acaloradas como essas costumam acontecer, não é de se espantar, em um ambiente acadêmico, de confronto de idéias, isso é plausível. O problema era que tudo isso acontecia em uma biblioteca e ainda por cima a altas horas da noite.
      Eram os livros. Estavam debatendo a importância que cada um tinha ali, quais eram seus papeis na sociedade. Isso havia começado com não se sabe qual deles, talvez tenha sido pelo tédio causado pela chuva, mas começou com a provocação de um para o outro, depois foi um grupo que entrou no 'papo', e quando avançaram um pouco mais, todas as áreas do conhecimento estavam em confronto intelectual, uma guerra de auto-afirmações.
      Enquanto isso, um livro de uma estante que ficava perto da janela, um livro de Cálculos, se gabava de nos tempos atuais as Ciências Exatas, mas precisamente as Ciências Contábeis, serem de suma importância para a nossa sociedade, de que “tudo é número”, dizia ele pitagoricamente. Outro, que era irmão do último, um livro de Lógica de Programação, ressaltava que as Exato-Contábeis sempre foram de "suma importância", mas que os últimos sucessos eram creditados ao avanço da Informática, da Tecnologia da Informação, ou seja, o “conceito matemático aplicado na prática!”, exclamava o livro que foi apoiado por seu irmão. 
      Cansado de ouvir tanta prepotência, outro livro, voltando de sua viagem reflexiva para a realidade, para "o prático", decide entrar no debate. Esse livro era muito velho, porém mesmo assim não estava tão acabado quanto os outros que eram mais novos, devia ser pela sua falta de uso. Ele era de Filosofia grega, um livro de “grandes pensadores”, ele se dizia. E exercitando a sua afinada retórica, disse ao livro de Cálculos para que também não se esquecesse de que a Filosofia também contribuiu, de que a Matemática ganhou muito na Grécia Antiga; “a grande Ελλάδα, que em português se diz Hélade, pois Grécia foi um nome dado a região pelos Romanos”, ressaltou um livro de História Antiga que não conseguiu se segurar, intrometendo-se. Concordando com seu amigo e continuando, o escrito de filosofia, disse que sem o filosofar, o “pensar sobre a vida”, não poderia existir a matemática. Lembrando o escrito ainda, que o "filosofar precede a matemática" e que alguns dos grandes pensadores matemáticos como, Euclides, Arquimedes, Pitágoras, entre outros, eram da Grécia Clássica.

      Irritado com esse argumento, que de fato era bom, o livro de Cálculos atacou o papel filósofo, dizendo que, como ele o livro de Filosofia era um “deslumbre, uma reformulação e compreensão de ‘coisas antigas’ por nossos atuais”. O livro Filósofo ficou 'abismado' que "alguém das exatas" pudesse ter elaborado tal resposta e assim, novamente um livro de História se intrometeu na conversa, sendo dessa vez um de História Medieval, dizendo que concordava em parte com o livro de Cálculos, “pois muitos escritos antigos só sobreviveram e chegaram aos tempos contemporâneos através dos escribas medievais, que copiavam as obras a mão dentro de seus mosteiros.” O livro de Cálculo ainda pensou em continuar depois da interrupção, mas seu amigo de "Humanas", o livro sobre o Medievo, logo complementou sua fala. Dizia que de forma alguma estava falando que os escribas medievais somente e simplesmente copiaram e distorceram as obras, pois, continuou, “também houve formulação de conhecimento no medievo, foi lá que surgiram as universidades! A idade Média, chamada assim pejorativamente, de idade do meio, não foi uma idade das trevas como muitos livros disseram, acreditem em mim! Eu fui escrito em França!". Após esse saudoso discurso manifesto, mesmo o livro de Filosofia que estava acostumado a longas e cansativas retóricas se calou, exausto. O livro de Cálculos e outros que participavam e observavam o debate, como os livros de Administração e Educação Física, que "eram pouco dados a discussões longas" e que já conversavam sobre motivação, dieta e academia, tinham parado de prestar atenção logo no início. E com isso, pelo menos esta pequena parte da biblioteca se calou enquanto que outros ainda debatiam, continuando um grande barulho.
      Ao cargo de algum tempo e por também avançar a noite, praticamente todos haviam cessado as discussões. Agora só se ouvia um pequeno desentendimento numa estante ao fundo do salão. Era entre livros de Zootecnia e Medicina Veterinária que ficavam lado a lado na estante. Enquanto argumentavam, os de Veterinária dizendo serem eles especialistas na parte clínica e cirurgia animal enquanto que os de Zootecnia dizendo serem especialistas em nutrição, manejo e prevenção de doenças animais, ao passo que este último tinha o apoio dos livros de Agronomia devido a uma "antiga rixa" desses com os livros de Veterinária. Nisso, um outro livro, o de Declaração Universal dos Direitos do Homem, que se encontrava na estante defronte ao corredor, disse para que parassem a discussão, pois ele aprendeu com o seu tema que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. – artigo 1º” Ouvindo isso, os dois livros nem deram muita bola, visto que, esse livro de Direitos do Homem havia perdido o respeito com muitos do salão. Todos sabiam que ele estava bem ao lado do livro da Constituição "estadunidense" de 1787, fora o fato de ele citar os “Direitos Humanos”, que não tinha muito a ver com a realidade de livro na qual eles estavam condicionados.
      Enquanto que o livro da Constituição Americana ameaçava invadir a estante das Ciências Animais para “salvaguardar a total garantia dos direitos do homem, da democracia e das liberdades individuais”, atestando ser ele o “farol da liberdade”, escutou-se um grande barulho e de novo, de novo, até que parou. Alguns segundos depois o teto daquele salão da biblioteca cedeu devido às horas de chuva forte, entrando pelo teto velho e acabado toda a água que estava empoçada na laje devido ao entupimento do escoamento, encharcando e destruindo praticamente todo o acervo daquele salão da biblioteca. Não adiantou nada, nem fino ou grosso, nem escrito por autor importante ou com edição de luxo de capa dura, nem se era mau cuidado e muito velho e raro, todos foram perdidos. No fim das contas eram apenas livros. *


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* Quaisquer semelhança com uma "outra" universidade também muito bonita e localizada em um ""local muito distante"", em que alguns dos tipos de discussões e falas aqui representados ocorrem (podendo elas serem representativas ou pertencendo a alguma pessoa específica), como também sobre um ocorrido nesta, em que o teto da biblioteca central cedeu devido a fortes chuvas de verão, acarretando na perda e/ou danificação de livros da mesma, são "meras coincidências" do acaso. 





Datada do dia 28 de Julho de 2011.

Imagem 2 retirada de: http://deltacultura.org/pt/2013/09/campanha-de-recolha-de-livros.html
Data não verificada.




segunda-feira, 18 de julho de 2011

Por Natanael de Freitas Silva



Keith Jenkins é professor-adjunto de História na University College Chichester, um dos principais e mais renomados centros ingleses para formação de professores. A sua obra A História Repensada, foi traduzida por Mário Vilela e publicada no Brasil em 2001 pela editora contexto, neste livro o autor propõe uma reflexão metodológica, questionando mais do que respondendo a proposições que estão inseridas no trabalho do pesquisador. Este livro, segundo Jenkins, é uma obra que foi escrita como um “manual de história”, destinado o professores e alunos, com o objetivo de colaborar e provocar um debate reflexivo - crítico sobre a escrita da história, onde o historiador deve ter controle sobre seu próprio discurso, que para o autor significa” ter poder sobre o que você quer que a história seja, em vez de aceitar o que outras pessoas dizem que ela é, em consequência, isso outorga poder a você, e não a essas outras pessoas” (JENKINS,2001,pg.109). Esse livro foi lançado trinta anos depois que o filósofo francês Michel Foucault colocou em questão no seu livro A arqueologia do saber a crença muito ingênua de que o documento fosse uma mera transparência da realidade, um reflexo invertido do “real”, um meio de acesso direto aos acontecimentos escolhidos; ignorando assim as descontinuidades e continuidades dentro do processo histórico, pois o próprio documento é um acontecimento, e não um reflexo do acontecido. Assim, Jenkins critica a tradição empiricista da historiografia inglesa, que tinha uma relação fetichista com o documento, tido com ao prova da verdade, e uma narrativa factual ,que não questionava, apenas reproduzia os dados encontrados nos documentos.
O livro é dividido em três partes. Na primeira Jenkins se coloca de forma a polemizar ao tentar responder “o que é a história?”, onde ele faz uma menção crítica das obras O que é a História? (Edward Carr), A prática da história,(Geoffrey Elton) e A natureza da história(Arthur Marwick). Porém, Jenkins os considera “velhos de guerra” por carregarem em seus escritos o lastro de seus anos de formação que foram as décadas de 1950 e 1960. Ele crítica o que considera o isolamento dos escritores ingleses da década de 70 das mudanças intelectuais mais amplas , principalmente em discursos correlatos como na filosofia e literatura que encaravam muito seriamente a questão de qual era a natureza de suas respectivas naturezas. A segunda parte ele apresenta o que ele denomina de “algumas perguntas sem respostas.”, onde ele propõe algumas conclusões possíveis e não definitivas sobre a ideia de verdade, parcialidade, empatia, os fatos e a sua interpretação e a classificação das fontes em primárias e secundárias, e por fim a terceira parte ele apresenta uma possível conclusão dos seus argumentos apresentados e discutidos ao longo do livro. Aqui eu apresentarei a você leitor uma análise da segunda parte do livro, onde o autor desconstrói algumas interpretações tidas quase por absolutas e universais na historiografia inglesa.
Sobre o papel da verdade na escrita da história, o autor questiona a tradicional historiografia inglesa, que ainda acreditava ser possível alcançar uma “verdade” do acontecido a partir da leitura e escrita narrativa dos documentos. Para ele isso era o resultado da denominada ”cultura ocidental”, ser pautada por uma cosmovisão judaico-cristã, onde Deus é a verdade e de que conhecê-lo é conhecer a verdade, de que o cristianismo fornece critérios para julgar tudo e todos na balança do certo e do errado, assim a ideia do homem branco, europeu, burguês, civilizado, pensado como um ideal de sujeito universal, se sobrepor a outras culturas , impondo a sua visão histórica dos acontecimentos.
O autor dialoga com Foucault que historiciza a própria ideia de verdade, pois para ele a verdade não está pronta e acabada, ela é uma criação, e não uma descoberta como a tradição cristã fez-se por muito tempo acreditar. Ele entende por “verdade, um conjuntos de procedimentos regulamentares que está ligado a sistemas de poder, que a produzem e lhe dão suporte, logo ele denomina isto de um “regime” de verdade, Jenkins afirma não ser possível alcançarmos o que “verdadeiramente” aconteceu, que a “verdade”, age como um censor, estabelecendo limites, e que o poder usa o termo ”verdade” para exercer controle, por isso o “regime da verdade”, entendemos hoje que a verdade é datada, que cada sociedade constitui para si uma ideia, um regime de verdade, pois não existe uma verdade absoluta, uma única interpretação de acontecimentos históricos que possa ser considerada “verdadeira” , entendo que o limite ou função da verdade no discurso histórico é a fundamentação, a metodologia e principalmente a documentação que permite ao historiador construir o seu discurso, pois a sua fala não pode ser baseada em “achismos”, em divagações , pois ao contrário dos jornalistas, temos que demonstrar quais são as nossas fontes, os nossos métodos, para que a nossa fala seja reconhecida dentro de uma comunidade como legítima, portadora de uma possível verdade.
Quanto a interpretação dos fatos, Jenkins afirma que os historiadores têm ambições, desejam descobrir não apenas o que aconteceu , mas como e por que aconteceu e os seus significados. O historiador estuda os vestígios do que chegou até o seu tempo presente dos acontecimentos históricos e o transforma em documentos, pois apesar de termos hoje mais conhecimento sobre processos passados devido a uma maior quantidade de documentação disponível, não significa que temos como abarcar a totalidade dos acontecimentos. São as condições de possibilidades do seu tempo presente que permitem ao pesquisador interpretar/explicar/compreender o homem no seu tempo passado, as suas questões são do campo da subjetividade, ou seja, aquilo que nos causa estranhamento, questões, dúvidas, é o que nos motiva, nos impulsiona ao trabalho de pesquisa, a forma que lemos o documento varia ,de acordo com o nosso background, cada historiador pode ter uma leitura diferenciada sobre o mesmo dado histórico, o mesmo documento, e nós mesmos, somos mutáveis, cada vez que voltamos a fonte, o nosso olhar é passível de mudanças, seja um detalhe, uma dúvida, o nosso amadurecimento intelectual, é a forma como o pesquisador aproxima as suas “pistas”, como estabelece uma conexão entre os documentos no tempo presente, por isso, mesmo estudando o homem no seu tempo passado, é necessário que o historiador esteja atento aos acontecimentos do seu tempo presente, pois são eles conscientemente ou não, que lhe permitem pensar, refletir, interpretar e construir o seu discurso histórico.
Quanto da parcialidade, o autor é enfático ao afirmar que é impossível termos um discurso que possa se considerar imparcial, pois se imparcial=reto, e parcial=torto, assim ele encontra a dicotomia do enunciado que coloca o mesmo em discussão. Em segundo lugar o autor identifica que a parcialidade aparece com maior frequência na história empiricista, onde mesmo sabendo ser inalcançável , muitos desses historiadores tem a ambição de produzirem relatos definitivos sobre os acontecimentos, e principalmente, acreditavam ser possível, deixar os fatos “falarem por si”, sem serem mediados pelo historiadores, sabemos que isto é impossível, nenhum documento fala por si, a fonte é muda, ou seja, é a nossa questão, a nossa problemática que nos possibilita encontrar os vestígios, os indícios e conectá-los, interpretá-los a luz do nosso tempo presente, logo, é o historiador que faz essa conexão, é a sua interpretação que produz sentido, valor ao acontecido, transforma dados em fatos, isso é a dimensão subjetiva do nosso trabalho, cada historiador pode ter visões diferentes sobre o mesmo assunto, cada grupo pode produzir um relato que de sentido ao seu próprio passado, assim podemos ter um relato, uma narrativa segundo a visão marxista, ou feminista, etc.
Por terceiro ponto se refere à ideia de empatia, que é a afirmação de que precisamos nos pôr no lugar das pessoas do passado, dar conta de suas dificuldades e pontos de vista, para assim obtermos uma compreensão histórica do real. Sabemos que isso é impossível, mesmo se tivéssemos uma máquina do tempo, não podemos deslocar o homem do seu próprio tempo e espaço, pois é o seu contexto que nos permite interpretá-lo, a temporalidade é fundamental no nosso trabalho, pois é o contexto, contexto esse que não está pronto e acabado, mas é o próprio pesquisador que o cria e a partir dele produz sentido, significado; senão caímos numa narrativa factual, que não questiona, não problematiza, que não produz significados, e não apresenta possíveis respostas as questões, as inquietações do nosso tempo presente.
E por último, a questão de classificação das fontes em primárias e secundárias, para os historiadores empiricista, existiam determinados documentos que poderiam ser considerados originais, como se os mesmos fossem um reflexo do “real”, um “prova” do que “realmente aconteceu”, para Jenkins, não existem fontes “mais profundas”, às quais possamos ir para estabelecer a verdade das coisas. Hoje sabemos que uma mesma obra pode ser utilizada como fonte ou como bibliografia, como suporte teórico para o historiador, o autor exemplifica isto citando o livro de E.P.Thompson, A formação da classe operária, que pode ser lido tanto como uma introdução a aspectos da Revolução Industrial, quanto como um estudo do que certo tipo de historiador marxista tinha para dizer no final dos anos 50 e inicio dos 60.Um mesmo texto, porém com usos diferentes, o que fica evidente é que tudo depende da problemática, da questão do historiador, este livro mesmo do Jenkins, pode ser lido como um suporte teórico na análise e reflexão do fazer história, logo como uma bibliografia, ou como fonte, se a sua questão for entender o impacto das transformações na percepção teórica dos empiricistas ingleses e o impacto desta obra na historiografia inglesa 30 anos depois da obra de Foucault, por exemplo, ou perceber o impacto do pós-modernismo na reflexão historiográfica a partir desta obra. Acredito que é impossível fazermos história sem nos posicionarmos, são as nossas questões, que nos possibilitam escolher, recortar, delimitar o tempo a ser analisado, o corpus documental, denominar as nossas fontes, a metodologia, por que cada sociedade constitui pra si em cada época como se deve fazer história e por fim, espero que você aproveite a leitura, reflita sobre o seu ofício/trabalho historiográfico e tenha as suas possíveis próprias conclusões, apesar de sabermos que tudo é datado, esta obra ainda provoca um intenso debate sobre o fazer história.



Referência bilbiográfica

JENKINS, Keith, “alguma perguntas e algumas respostas(pg.53-91);In: A História Repensada, tradução de Mário Vilela-São Paulo: contexto 2001.

Imagem retirada do site http://assessoriadaembelezada.blogspot.com/2011/03/concurso-87-do-mpsp-fase-oral-algumas_18.html, pesquisada no dia 18 de julho de 2011 às 18:00.

domingo, 17 de julho de 2011


Por Rafael Oliveira


Com o surgimento das cidades no século XII, passou a ocorrer uma circulação maior de homens oriundos de vários locais, fossem eles mercadores, peregrinos, etc. Com isso, houve também uma maior troca de conhecimentos e saberes. “Durante o século XII, quando o ocidente nada tem a exportar além de matérias primas, embora já esteja despontando o desenvolvimento têxtil, os produtos raros e os objetos de valor vêm do Oriente, de Bizâncio, Damasco, Bagdá ou de Córdoba. Junto com as especiarias e as sedas, os manuscritos trazem a cultura Greco - árabe para o Ocidente cristão”. (Le Goff)

Le Goff diz que o árabe, de início, era apenas um intermediário, pois as obras clássicas pertenciam aos cristãos heréticos, que doaram-as às bibliotecas e escolas muçulmanas, antes delas retornarem para a Cristandade Ocidental. Só que a essa altura, “o Ocidente não ouve mais grego; o que Abelardo deplora e por isso exorta as religiosas do Paracleto a corrigir essa lacuna, superando assim os homens no domínio da cultura. A língua cientifica é o latim. Originais árabes, versões árabes de textos gregos, originais gregos são então traduzidos tanto por indivíduos isolados quanto, aliás mais frequentemente, por equipes.” (Le Goff)
Uma dessas equipes, formada por Pedro, o Venerável, foi a responsável pela tradução do Corão. “ Pedro, o Venerável, foi o primeiro a conceber a idéia de combater os muçulmanos não no plano militar, mas no plano intelectual. Para refutar sua doutrina, é preciso conhecê-la.” (Le Goff). Dentre as várias cidades que receberam contribuições do saber Oriental, a que mais se destaca é Paris, devido ao seu ensino teológico “junto” com o ramo da filosofia chamado de dialética.
Uma oposição que podemos explorar, é a visão de Paris que cada grupo possuía. Para os cistercienses, Paris é “o antro do Diabo, onde se mesclam as perversões do espírito assoladas pela depravação filosófica e as torpezas de uma vida em meio ao jogo, ao vinho e às mulheres. A grande cidade é o lugar da perdição: Paris é a Babilônia moderna". Como fica bem claro nas palavras de São Bernardo: "Fujam do meio da Babilônia, fujam e salvem suas almas. Apressem-se todos juntos em direção às cidades do recolhimento (os mosteiros), onde poderão se arrepender do passado, viver na graça durante o presente, e esperar com confiança o futuro. Vocês encontrarão muito mais nas florestas que nos livros. A madeira e as pedras ensinarão mais do que qualquer mestre."
A tradição cisterciense significa uma mudança de hábito. O homem não pertence mais ao mundo,somente pertence a Cristo. Os cistercienses desejavam que fossem purificados pelas Escrituras, e pelas riquezas que nelas se encontravam. Pierre de Celles diz: ”Ó Paris, como sabes arruinar e iludir as almas! Em ti, as malhas de vícios, as pragas dos males, as flechas do inferno põem a perder os corações inocentes. Feliz a escola onde, ao contrário dessa, é Cristo quem ensina aos nossos corações a palavra de sua sabedoria, onde, sem trabalhos nem cursos, nós aprendemos o caminho da vida eterna! Aqui não se compram livros nem se paga ao professor de escrita, não há a balbúrdia das disputas, nenhum sofismo complicado, a solução de todos os problemas é simples, aqui se aprendem as explicações de tudo.” (Le Goff).
Essa escola citada por Pierre de Celles, é a escola urbana, a escolástica. Essa doutrina utilizava a razão junto com a fé, fazendo uma releitura das Escrituras através de filósofos pagãos como Aristóteles e Platão. Para eles, Paris era a “ fonte de todo prazer intelectual” (Le Goff). O abade Filipe de Harvengt, indo em oposição a São Bernardo, vê a cidade luz como uma cidade divina, a Jerusalém Celeste: “ Levado pelo amor à ciência, eis-te em Paris e encontraste essa Jerusalém que todos desejam. [...] Cidade feliz onde os santos livros são livros são lidos com tanto zelo, onde seus complicados mistérios são resolvidos graças aos dons do Santo Espírito, onde há tantos professores eminentes e há tanta ciência teológica que se poderia denominar a cidade das belas letras!” (Le Goff).
Segundo Le Goff, "a oposição fundamental entre os novos eruditos das cidades e os meios monásticos, cuja renovação encontra, no século XII, além da evolução do movimento beneditino ocidental, as tendências extremas do monaquismo primitivo, estampa-se nessa exclamação do cisterciense Guilherme de Saint-Thierry, amigo íntimo de São Bernardo: 'Os irmãos de Mont-Dieu! Eles trazem, para as trevas do Ocidente, a luz do Oriente; e para o frio das Gálias, o fervor religioso do antigo Egito; isto é, a vida solitária, espelho da vida do céu'. Assim, por um curioso paradoxo, no momento em que os intelectuais urbanos colhem,na cultura greco-árabe, o fermento do espírito e os métodos de pensamento que iriam caracterizar o Ocidente e criar sua força intelectual - a clareza do raciocínio, a preocupação com a exatidão científica, a fé e a inteligência mutuamente apoiadas -, nesse momento o espiritualismo monástico reclama, no próprio coração do Ocidente, o retorno ao misticismo do Oriente".
Dentre os intelectuais urbanos, o que mais se destacou foi o goliardo Pedro Abelardo, conhecido como o primeiro professor. Durante sua vida conseguiu vários inimigos, provavelmente pelo seu prazer de desmistificar os ídolos. O principal deles, foi São Bernardo. Abelardo que foi taxado por Paul Vignaux como “o cavaleiro da dialética”, pois vencia seus inimigos através de argumentos, teve que se afrontar com São Bernardo, defensor do uso da força e da cruzada armada. Le Goff explica que “ é o seguidor de São Bernardo, Guilherme de Saint-Thierry, que desencadeia o ataque. Em uma carta a São Bernardo, ele denuncia o novo teólogo (Abelardo) e incita seu ilustre amigo a persegui-lo. São Bernardo vai a Paris, tenta desviar os estudantes, aliás com pouco sucesso, e fica persuadido da gravidade do mal difundido por Abelardo. Uma entrevista entre os dois homens resulta em nada. Um discípulo de Abelardo sugere uma reunião de confronto em Sens, diante de uma Assembleia de teólogos e bispos. O mestre se esforça por arrebatar mais uma vez o auditório. São Bernardo, sub-repticiamente, muda todo caráter da Assembleia. Transforma o auditório em concilio, e seu adversário em acusado. Na noite precedente à abertura dos debates, se reuni com os bispos e lhe fornece um dossiê completo que retrata Abelardo como um perigoso herético. No dia seguinte, Abelardo pode apenas contestar a competência da Assembleia e apelar ao papa. Os bispos transmitem à Roma, uma condenação muito mitigada. São Bernardo, alarmado, vence-os todos em velocidade. Seus secretário leva aos cardeais que lhe são inteiramente devotados as cartas que exigem do papa uma condenação de Abelardo, cujos livros são queimados em São Pedro.”
Abelardo arruinou o sacramento essencial do cristianismo, a penitência. Ele botava o homem como figura central, ao invés do pecado, o que ia totalmente contra a Igreja. Assim, nas cidades e escolas urbanas, havia uma humanização dos sacramentos.Ou seja, a Igreja continuava no comando do ensino, apesar do crescente número de intelectuais laicos, e de grande repercussão que suas idéias tomavam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LE GOFF, Jacques - “O Século XII. Nascimento dos intelectuais.” in “Os Intelectuais na Idade Média” - Editora Brasiliense – 1993 – São Paulo.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Por Nathalia Bastos
Mesquita Al Nabawi Medina na Arábia Saudita

Não tinham motivo os habitantes de Medina e os beduínos que os cercavam de abandonar o Mensageiro de Deus nem de querer proteger suas vidas em detrimento da dele. Pois quando lutam pela causa de Deus, não se expõem nem à sede nem à fome nem à exaustão. Todo passo que dão irrita os descrentes. Mas seus prejuízos contarão como boas obras aos olhos de Deus. Ele não deixa de recompensar os benfeitores.”
CHALITA, Mansur – Alcorão – Capitulo 09 “O Arrependimento”, versículo 120.

** Cidade de Meca ou Makka
  
O Islã é uma das três religiões monotoístas e foi revelada na Península Arábica no século VII, transformando essa região em cenário de uma das principais transformações religiosas e políticas da Idade Média. “Pregava a submissão total a Deus, nominado em árabe por 'Allah'” (RIBAS – p.45).
Renata R. Sancovsky nos chama atenção para o pensamento de Muhammad ibn Abdallah (570 – 632 d.C) ou Maomé como é conhecido no Ocidente, e que segundo Rogério de Oliveira Ribas, era mebro da tribo Banus Qoraush, na cidade de Meca.
Maomé segundo ambos pesquisadores, recebeu, segundo a crença, a revelação de Deus por intermédio do Arcanjo Gabriel, “através da intercessão de um 'nâmous', identificado pela visão popular dos submetidos, os muçulmanos” (RIBAS – p.45), e a partir de então no mundo árabe surge uma proposta de organização e civilização totalemnte diferente do que já tinham visto, proposta com base na submissão “incondicional a Deus que deveria substituir os cógigos de conduta social e fé, tradicionalmente praticados pelas tribos árabes e pelos seus esquemas familiariares de organização política” (SANCOVSKY – 200? - p.09).
Maomé promoveu uma unidade das tribos árabes, da Península Arábica, segundo Ribas tendo apoio na revelação corânica que o titulava “Profeta de Allah”, como dito anteriormente, tal unidade se dava através da substituição dos laços de sangue em virtude dos laços da fé o que deu origem a formação de um estado teocrático chamado de o Califado.

“Rompendo com as visões belicistas, Maomé se afastava dos padrões ancestrais no relacionamento das tribos árabes, e instituiu um modelo de organização comunitária baseada no ideal da Ummah*, a unidade intertribal. O principio da guerra como ideal instrumento de consquista, que não intencionava a destruição física ou a eliminação cultural dos conquistados (salvo no combate às diversas expressões de paganismo), se estenderia aos modelos de centralização política que regeram a expansão islâmica após a morte do Profeta, em 632.”
SANCOVSKY, Renata R. - História Medieval - “Maomé, o Corão e a formação do Islã” - p.09

* Ummah – do árabe comunidade ou congregação muçulmana. Princípio de unidade política religiosa que permeou todas as pregações de Maomé efoi perpetuado pelos regimes dos Califas medievais. Apenas muçulmanos praticantes poderiam fazer parte da Ummah (SANCOVSKY – 200? - p.09)

Não muito diferente de Sancovsky, Ribas destaca que os muçulmanos motivados pelo combate pela causa de Deus ou a chamada jihad, deslocaram-se em uma expansão pela orla do Mediterrâneo, sob comando dos califas durante os séculos VII e VIII. Conquistando bizantinos, Síria, Egito, Palestina, o Norte da África e a Penísula Ibérica.
Sobre essa expansão territorial, o historiador e demógrafo Colin McEvedy (1930 – 2005) nos ilustra com dois mapas da expansão muçulmana, um de 651 e outro de 737 demonstrando todo o avanço do Califado Omíada.



Fonte: MCEVEDY, Colin – Atlas de História Medieval – p.37.(Scans)





Fonte: MCEVEDY, Colin – Atlas de História Medieval – p.39. (Scans)



A conversão islâmica dos habitantes desta última região [a antiga Mautitânia Romana], chamados de mouros pela cristandade européia, engrossou as fileiras do 'exército e Allah', permitindo aos muçulmanos, na primeira metade do século VIII, conquistar a Península Ibérica, onde permaneceriam por séculos. Somente seriam dali expulsos, progressivamente a partir do século XI, com a chamada Reconquista Cristã, concluída no século XV com a conquista de Granada.”
RIBAS, Rogério de Oliveira - “O Islam na diáspora: crenças mouriscas em Portugal nas fontes inquisitoriais quinhentistas” - p.46.





BIBLIOGRAFIA:

CHALITA, Mansur – "Alcorão - Livro Sagrado do Islã" – BestBolso - Rio de Janeiro - 2010.

MCEVEDY, Colin – "Atlas de História Medieval" - Companhia das Letras - São Paulo - SP- 2009

SANCOVSKY, Renata R. - História Medieval - “Maomé, o Corão e a formação do Islã”
RIBAS, Rogério de Oliveira - “O Islam na diáspora: crenças mouriscas em Portugal nas fontes inquisitoriais quinhentistas”

*Imagem da Mesquita Al-Nabawi (ou Mesquita do Profeta) em Medina na Arábia Saudita retirada do site: http://alexandreolsson.blogspot.com/2010/12/isla-islamismo.html. Pesquisa realizada no dia 14 de julho de 2011 às 09:40

**Imagem da cidade de Meca retirada do site: http://www.absolutegipto.com/15000-egipcios-no-podrian-viajar-a-la-meca-este-ano/. Pesquisa realizada no dia 14 de julho de 2011 às 09:20.