sexta-feira, 16 de dezembro de 2011





O Livro “Frankenstein” como Fonte Histórica Específica




Por Cristiane Nice





Atualmente, o trabalho com fontes ou documentos históricos é avaliado como uma das metodologias fundamentais em sala de aula, pois amplia o conhecimento sobre o trabalho do Historiador, instiga a observação e permite uma maior reflexão sobre os conteúdos dos documentos.



De acordo com Fonseca (1995),



“A incorporação de diferentes linguagens e fontes na disciplina de História torna o processo de transmissão e produção de conhecimento dinâmico e interessante.” (FONSECA, 1995:53)



O discurso literário e o discurso histórico têm em comum o fato de serem narrativos. O discurso histórico visa explicar o real através de testemunhos, dos documentos, que comprovam e evidenciam o acontecido. A obra de ficção não tem o compromisso, nem preocupação de explicar o real, nem tampouco comprovar os fatos.

Fonseca (1995) entende que “A literatura é um produto artístico com raízes no social. [...] Assim, o Historiador é atraído não pela realidade e sim pela possibilidade.” (FONSECA, 1995:54)

Desde a antiguidade a linguagem tem sido um instrumento no qual os escritores escolhem e empregam o vocábulo de modo a produzir efeitos dos mais variados no imaginário do leitor. A manifestação artística através do texto literário possibilita ao escritor expressar seus sentimentos através das palavras sem se preocupar com a realidade, os limites éticos e as significações objetivas. Várias particularidades podem colaborar com os temas aplicados na literatura, como o período histórico, a cultura e a classe social em que estão inseridos os autores das obras em questão.

Estas particularidades são bastante claras no romance gótico “Frankenstein” ou “Moderno Prometeu” de Mary Shelley, de 1818, onde a desconfiança na ciência e o comportamento social dos personagens demonstram nitidamente o contexto histórico em que a autora viveu.

Mas, por que o Livro “Frankenstein” ou “Moderno Prometeu” de Mary Shelley? Porque a obra aborda o século XVIII, com suas transformações Sociais e Econômicas, a Fé no Homem e na Ciência e a Reação da Igreja diante dos limites da Ciência, ou seja, o Iluminismo, o Discurso Científico e o Discurso Religioso.

Consideremos uma pequena parte da grandiosa obra da jovem Senhora Mary Shelley:




“[...] É difícil conceber a variedade de sentimentos que me impeliram para frente, no primeiro arrebatamento do êxito. Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo. Seria o criador de uma nova espécie – seres felizes, puros, que iriam dever-me sua existência. Indo mais longe, desde que eu tivesse a faculdade de dar a vida à matéria, talvez, com o passar do tempo, me viesse a ser possível (embora esteja agora certo do contrário) restabelecer a vida nos casos em que a morte, no consenso geral, relegasse o corpo à decomposição. Ressurreição! Sim, isso seria nada menos que o poder de ressurreição. (SHELLEY, 2007: 56)

Podemos pensar: “-Será que a obra fictícia de Mary Shelley representa a visão da autora sobre a sociedade em que ela vivia?” Analisemos o que Fonseca (1995) diz:





“A leitura de textos literários, reservando as especificidades artísticas, pode oferecer pistas, referências do modo de viver, dos valores e costumes de uma determinada época. (FONSECA, 1995:54).




Sem dúvida é uma fonte que auxilia uma problematização histórica, pois, ao ser exposta, proporciona múltiplas maneiras de ensino e questionamentos fazendo com que o conhecimento histórico seja ensinado de forma a possibilitar a participação do processo de fazer a História.




Referências Bibliográficas:

• FONSECA
, Selva Guimarães. O uso de diferentes linguagens no ensino de História e Geografia. Ensino em Revista. Jan/dez. 1995.
SHELLEY, Mary. Frankenstein. Coleção A obra-prima de cada autor. São Paulo. Editora Martin Claret, 2007.


Fonte da imagem: http://www.google.com.br/imgres?q=livros&hl=pt-BR&gbv=2&biw=1280&bih=539&tbm=isch&tbnid=dNdYtTQ5dqFv-M:&imgrefurl=http://seboanvsp.blogspot.com/2010/07/livros-qualquer-livro-com-ate-80-de.html&docid=w3PsWoWkupIRHM&imgurl=https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhvpdydg0mmTo1BMfeYNhqluqYAN3FWYdtB59mXgj6TlO0VmIcFYvFxlYIqtNR9ZbMw3vNZxBElbQMeySSvvAJ5WdTVQfm8BOrwakdCfdCcW5OAiE0ciB8ag0BwgSuRqPyrlo_DfoKPzoP/s1600-r/livros.jpg&w=632&h=570&ei=fQ-bTv-ZMajz0gH36YmxBA&zoom=1&iact=hc&vpx=365&vpy=180&dur=297&hovh=213&hovw=236&tx=149&ty=100&sig=102414596607502134957&page=1&tbnh=147&tbnw=165&start=0&ndsp=12&ved=1t:429,r:1,s:0



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


Por Marcelle Gilla Sestare

Primeiramente, é importante salientar que, o objetivo deste texto é trazer para discussão alguns aspectos referentes à luta pela independência de Cabo Verde frente a Portugal. Serão abordados três pontos em essencial: a criação do PAIGC, a ajuda dos países socialistas e os conflitos internos que levaram ao fim do regime monopartidário. Antes, faremos uma pequena introdução da história de Cabo Verde, um conjunto das ilhas inabitadas, que, com o descobrimento pelos portugueses em 1460, foi povoado a partir dos modelos de Portugal.

De início, a vida em Cabo Verde era baseada no comércio com a costa Africana e, posteriormente, com a Europa e a América devido ao tráfico negreiro. O povoamento foi feito por diversas etnias vindas da costa Africana, o que, possivelmente poderia ajudar na inserção das práticas portuguesas, e populações da metrópole. Porém, devido a problemas financeiros enfrentados pela coroa, esse povoamento não ocorreu como o pretendido. Além do fato de Cabo Verde não apresentar maiores recursos de sobrevivência para os moradores. O processo de mestiçagem iniciou-se porque havia insuficiência de mulheres brancas, fazendo com que os senhores brancos juntassem-se com uma ou mais escravas. Referente às particularidades das ilhas, cada uma tinha suas próprias características.

Desde o início do povoamento, houve diversas formas de resistência frente à dominação colonial, devido aos maus tratos do regime colonial. Com a independência do Brasil, em 1822, surgiram revoltas mais marcantes em Cabo Verde, a exemplo, a dos camponeses na Ribeira dos Engenhos. Em 1936, surge o movimento Claridoso, com Baltazar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, a fim de afirmar a identidade cabo-verdiana e o nativismo literário. O movimento Claridoso pode ser considerado como um suporte que, mais tarde, serviu para a luta de independência. Segundo Martins:

“Pode, assim, constatar-se que o cidadão cabo-verdiano desde os primórdios da colonização sempre gritou pela liberdade e autonomia, embora essas formas de manifestação não tivessem grande importância internacional, mas sim a nível nacional.” (MARTINS, 2009, p. 43)

Apoio Socialista


No nível internacional, a luta só foi conhecida a partir do momento em que Amilcar Cabral e seus companheiros – PAIGC – fazem sentir a sua luta, com a ajuda do desenvolvimento dos meios de comunicação. Por ser o partido dominante, não houveram conflitos entre partidos nacionalistas, o que fez o processo de independência ser mais fácil. Com final da Segunda Guerra Mundial as potencias coloniais ficaram enfraquecidas, e, o mundo socialista interessou-se pelo continente africano. A Europa estava dividida em campos antagônicos: socialista e capitalista. O mundo socialista via-se como o guardião da independência africana. O que influencio o fato do PAIPG ter tido apoio da URSS, China, Cuba e Argélia. A China, por exemplo, acreditava que por ter vivenciado uma experiência análoga à da África, estaria bem posicionada para ajudar o continente, compreendendo os problemas do colonialismo, ajudando-os a conduzir com sucesso o processo de descolonização. Além de custear a construção de uma linha férrea, ligando a Tanzânia a Zâmbia, conhecida como TAZARA. A guerra do Vietnã também influenciou os africanos, que consideravam ter um inimigo em comum com os vietnamitas. Com a vitória vietnamita, encerrou-se o mito de que apenas o poderio militar fosse a chave para vitória. Já Portugal, parecia não estar disposto a reconhecer a autonomia das colônias, tanto que uma de suas medidas foi tentar isolar suas colônias dos “vizinhos”. Vale salientar que Portugal foi o ultimo império colonial a aceitar a independência de suas colônias, em 1975, e segundo Martins, dando inicio a uma das guerras civis mais trágicas da descolonização, em Angola.

Origem do PAIGC

O PAIGC – Partido para Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde – tinha como objetivo a libertação de Cabo Verde e Guiné Bissau. Surgiu a partir de movimentos estudantis. Tinha como molde o monopartidarismo soviético, e tinha como estratégia de luta a questão cultural. Segundo Cabral:

“[...] devemos dizer concretamente, que a própria criação do nosso Partido, que planificou e avançou a nossa luta de libertação nacional, é um facto de cultura. É uma prova clara da resistência cultural, porque nós queremos ser nós mesmos, africanos da Guiné e Cabo Verde e não tugas.” (CABRAL, 1974, p. 187)

O partido foi fundado em 1956, na Guiné Bissau, por Amilcar Cabral e mais cinco patriotas. O retorno às raízes (ou as fontes) era a preocupação dominante entre os intelectuais africanos que se consideravam revolucionários. Para Amilcar Cabral, a falta de uma ideologia era um problema grave a luta pela libertação nacional. Segundo Cabral, era preciso acabar com a colonização mental feita pelos europeus:

“Devemos trabalhar muito para liquidar na nossa cabeça a cultural colonial, camaradas. [...] o colonialismo meteu-nos muitas coisas na cabeça. E o nosso trabalho deve ser tirar aquilo que não presta e deixar tudo que é bom.” (CABRAL, 1974, p. 188)

Não houve luta armada em Cabo Verde, devido a sua condição geográfica, porém, esta ocorreu em Guiné Bissau. E esta foi vitoriosa pelo fato das tropas portuguesas desconhecerem o seu terreno interior, além da população apoiar os militantes. Entre a Guiné e Cabo Verde, sempre houveram diferenças sócio-culturais, porém as políticas de governação eram adaptadas, e Cabo Verde sempre ficava em vantagem. Nem todos os cabo-verdianos eram partidários do PAIGC, tanto que foram criados outros partidos como o UPICV (1956), que se recusava á união com a Guiné. Foi criado também a UDCV, que não queria a independência, pois tinha como objetivo, manter a relação com Portugal. Amilcar desejava a união da Guiné e Cabo Verde, porém nem todos guineenses e cabo-verdianos compartilhavam do mesmo desejo. No seio do partido, era possível encontrar diversos conflitos, por causa da matriz ideológica, e isso só não prejudicou a luta pelo fato dos objetivos estarem bem traçados. O importante é que, foi com o PAIGC que Portugal negociou a independência da Guiné e de Cabo Verde, porém, exigiu que as independências fossem tratadas separadas. E, mesmo após a morte de Cabral, o partido continuou, e luta também. Porém, com a sua morte, a destruição do partido e o fim da unidade guineense – cabo-verdiana, mostram as contradições existentes dentro do PAIGC.

Monopartidarismo: início e fim

Cabo Verde se torna independente em 5 de julho de 1975, baseando-se nas idéias de Amilcar Cabral, com Aristides Pereira eleito como presidente da república. Com a Independência, o regime monopartidário entrou em vigor, e com isso, alguns membros da elite intelectual começaram a se desligar. O Estado tinha o poder de controlar tudo: a política, a economia, os investimentos estrangeiros. Como justificativa, era dita que seria uma necessidade para garantir a unidade colonial. Outra justificativa para afirmar o monopartidarismo, consiste no fato de ter sido o PAIGC que lutou pela independência, logo, caberia a ele ser responsável pela unidade nacional, já que se julgava o criador do Estado de Cabo Verde. E mesmo que o regime tivesse um caráter autoritário, este foi mais ameno, se comparado aos outros países Africanos. Como exemplo pode-se citar as guerras civis em Angola.

A ausência de luta armada em Cabo Verde fez com que sua independência não fosse reconhecida de imediato. E alguns portugueses e cabo-verdianos acreditavam que Cabo Verde ganharia mais se estive ainda como território português. Outros acreditavam que Cabo Verde poderia ser independente mantendo relações com Portugal. Ainda, algumas comunidades cabo-verdianas, instaladas nos Estados Unidos da América, eram contra o PAIGC. O partido único tinha controle de tudo, o que não impediu o surgimento da oposição, o que, até mesmo em seu interior, existia.

O desenvolvimento dos meios de comunicação, mais uma vez, tive efeitos em Cabo Verde, pois com isso, a comunidade internacional passa a defender o respeito pelos direitos humanos e políticos e a expansão da democracia. O grupo composto pelos que participaram da luta armada impôs sua hegemonia no partido, eles ocupavam os cargos mais altos. Havia uma idéia de que aqueles que “combatera”, “doaram” a liberdade ao “povo” cabo-verdiano, logo, seriam “os melhores filhos da terra”. De acordo com Anjos, esse discurso teria um princípio de sacralização do poder. Segundo Anjos:

“se a revolução visa “um novo homem”, “os melhores filhos da terra”, isto é, aqueles que combateram, são a encarnação, no presente, do futuro que se pretende para o resto da população” (ANJOS, 2006, p. 203)

Porém, com o passar do tempo, essa justificativa, já não se sustentava:

“Se a elite do PAIGC soube ao longo de vinte anos de governo contruir a crença no valor social dessa instituição-nação, contudo sempre esteve longe de alcançar o consenso que sempre propagou ideologicamente e, muito menos, a unidade de intelectualidade”. (ANJOS, 2006, p. 199)

Houve também uma sacralização em relação a figura de Amilcar Cabral, como o herói nacional, “herói fundador” e “militante nº 1”. O partido quem atribuía sentido a realidade, criando uma relação de poder com o sagrado. Essas representações de poder consistiam na manipulação do mito, por aqueles que estavam no controle. O objetivo era reconstruir a legitimidade do PAIGC, por meios de rituais e discursos de nacionalismo, reativando ressentimentos difusos na sociedade, canalizando o ódio ao inimigo, aquele que colocaria em risco a nova nação (ANJOS, 2006, p. 200). Essa invenção da nação cabo-verdiana foi feita a partir de modelos burocráticos exteriores a ela, juntamente com a reinvenção da tradição com os símbolos da nacionalidade emergente.

Em 1990, surge o MpD – Movimento pela Democracia – que conduz manifestações pela adesão de um regime pluralista. A direção do PAIGC chega a reconhecer o regime monopartidário como um regime que tende a eliminar a liberdade, porém, para ele, seu exercício de poder teria impedido que isso acontecesse. Contudo, o regime nunca é apresentado como autoritário. Assim, a insatisfação dos grupos populares leva ao fim o regime monopartidário.

Conclusão

Podemos perceber que, uma das mudanças mais fundamentais dos anos 60 foi a descolonização, já que mais da metade dos países da África estavam conquistando a independência. Porém, todas as conquistas referentes a essas lutas ocorreram de acordo com os grupos que obtiveram maior poder e influencia. Se essas conquistas foram bem conduzidas ou não, não cabe aqui responder. O interessante é analisar como, de fato, esses eventos históricos ocorreram e, analisar o contexto, a fim de perceber as reais intenções das partes envolvidas. A colonização, de maneira mais branda, ou não, sempre será considerada ruim e desumana. Porém, a ajuda dos socialistas para independência dos países africanos não poderia se basear apenas na comoção pelos direitos humanos. Houve uma grande influencia do fim da Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. E ao apoio internacional pela democracia em Cabo Verde, provavelmente não ocorreu devido aos simples desejos de que todos pudessem viver em um país democrático, com liberdade “de ir e vir”. É importante também salientar que, mesmo lutando pelo fim da colonização, o PAIGC não foi tão homogêneo quanto quis mostrar. Dentro do mesmo houveram divergências, o que ao fim levou a divisão do partido. Além da contradição entre idéia de liberdade nacional e regime monopartidário autoritário.

De fato, muitas considerações podem ser feitas a respeito do tema.

Referências Bibliograficas:

ANJOS, José C. Gomes. Cap. 5 “A era do melhores filhos da terra” e cap. 4 “O nacionalismo cabo-verdiano”. In: Intelectuais, literatura e poder em cabo verde: lutas de definição da identidade colonial. Porto Alegre: UFRGS, 2006.

___________________________. Elites Intelectuais e a Conformação da Identidade Nacional em Cabo Verde. In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, nº 3, 2003, pp.579-596

CABRAL, Amilcar. “Resistência cultural”. In: PAIGC. Unidade e Luta. Lisboa: Nova Aurora, 1974.

TIAM, Iba Der; MULIRA, James. Cap. 27 “A África e os países socialistas”. In: História geral da África, VIII: África desde 1935 / editado por Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. Brasília: UNESCO, 2010.

MARTINS, Amarilis Barbosa (2009). Relações entre Portugal e Cabo Verde antes e depois da independência. Dissertação de mestrado apresentada na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.


Por Wkellisson Daniel

O objetivo desse artigo é explicar a formação dos estados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, partindo de um entendimento que essas antigas colônias portuguesas em África estão conectadas até o momento das suas independências. A articulação da independência estava diretamente ligada com um sistema de resistência cultural e suas práticas na fomentação política de seus partidos de libertação e uso da formação política de duas nações contra a repressão colonial.
Essas duas colônias começaram com um processo de exploração colonial diferente, Cabo Verde era um arquipélago desabitado próximo a costa atlântica da África – subsaariana onde está localizada Guiné-Bissau. O marco da chegada portuguesa na costa da África – subsaariana é em 1434 com o navegador Gil Eanes que ultrapassou o Cabo Bojador, a partir daí as navegações vão fazer o reconhecimento da parte costeira da África Negra chegando até Serra Leoa e depois o golfo da Guiné.1
A descoberta das ilhas de Cabo Verde ou redescoberta é datada vinte anos depois da travessia do Cabo Bojador entre 1455 e 1456 e estão atribuídos a diferentes navegadores do processo de expansão ultramarino português como a Cadamosto, ora Antônio de Noli e ainda Diogo Gomes.2 O povoamento de Cabo Verde ou inicio da exploração colonial neste arquipélago tem uma relação direta com a Guiné ou terra dos pretos no entendimento dos exploradores portugueses daquela época. Esse povoamento das ilhas em sua maioria foi de escravos africanos de origem da Guiné, o inicio do tráfico negreiro começou com expedição de Antão Gonçalves no ano de 1441 levando escravos para o reino português.3 A diferença da exploração de Cabo Verde e Guiné-Bissau é que uma funcionava como entreposto da metrópole como é o caso do arquipélago e outra era basicamente a exploração do tráfico negreiro nos seus anos iniciais de opressão portuguesa.
Ao longo dos séculos Portugal criou seus mecanismos de domínio sobre as terras das colônias como criação de fortes, de articulação com os chefes locais das sociedades nativas e o controle das rotas comerciais dessas populações. O império ultramarino português construiu sua economia com as colônias da África e América e seu poder como potência ultramarina européia. O império português começa a perder força no século XIX com perca da maior colônia no território sul-americano, o Brasil e o fim do tráfico de escravo. Com o fim da exploração colonial do Brasil e o tráfico negreiro a economia colonial começa a passar por dificuldades e Portugal inicia o seu processo de decadência em relação às outras potências colônias européia. A decadência portuguesa diante das potências é reconhecida quando ocorre a revolução industrial na qual Portugal não faz parte e assim sendo reconhecido como um país atrasado, mais a situação que colocou o império português como inferior aos outros foi na Conferência de Berlim 1884 onde houve a partilha do continente africano para as potenciais européias daquele período, Portugal foi o que menos ganhou com essa partilha no continente africano. O estado português inicia um processo de “ocupação efetiva” das suas colônias em África partindo para um novo sistema colonial mais opressão, com o intuído de dominação total dessas populações africanas, uma colonização mental, cultural e uma política de assimilação. Depois desta contextualização do inicio do processo de colonização de Cabo Verde e da Guiné-Bissau e um novo sistema colonial que vai ser vigente até a década de 1970 nesses territórios africanos e a influência deste sistema, quem vem direto da metrópole como forma de dominação que tem seu ápice no sistema conhecido como salazarismo, que gerou conflitos dentro da própria metrópole e nas colônias africanas. Assim se viu articulações e formações políticas e o aparecimento de revolucionários e partidos de libertação nas colônias contra essa dura política aplicada pelo salazarismo.
Salazarismo “fomento” para libertação
Em meados de 1926, Portugal inicia sua ditadura militar junto com a ascensão do movimento nacionalista que tentava resgatar a identidade da nação portuguesa e sua valorização no continente europeu. Reconstruindo uma ideia de nação expansionista no intuído imperialista em relação a suas colônias.
Um dos mentores dessa ideia de reconstrução da identidade portuguesa é Antonio de Oliveira Salazar, construindo a noção de imperialismo português. Com a chegada de Salazar ao poder do estado português junto com a ditadura militar formula políticas de dominação opressora. A principal política promulgada por Salazar em 1930 foi o Acto Colonial cito um estudioso em salazarismo Valentim Alexandre “Acto Colonial procurava marcar da forma mais solene a determinação do regime em preservar o império”,4 analisando essa citação fica clara a ideia de um regime de opressão as colônias com intervenções seja qual fosse para manter o tal “imperialismo” português sobre seus domínios colônias.
O grande momento de Salazar no poder é a partir do fim do regime militar em 1933 e a criação da ditadura fascista do Estado Novo, e se inicia oficialmente o regime salazarista. Com características principais parecidas com as dos séculos iniciais da chegada portuguesa em África como uma missão colonizadora e evangelizadora sempre com o apoio da igreja católica, mas trazendo novos conceitos como anticomunismo, conservador, autoritário, repressão, para compreender o sistema opressor salazarista nas colônias africanas cito Perry Anderson:


Trabalho forçado em massa: leis transmitidas de facto: capital estrangeiro onipresente: um conjunto de proletariado branco incendiário: uma superestrutura de magia: uma máquina social e econômica funcionando num vazio, impulsionada pelo terror puro. Esse era o sistema do imperialismo português [...] o mais primitivo, o mais deficiente e o mais cruelmente exploratório regime colonial da África.
ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do Ultracolonialismo. Editora: Civilização brasileira S.A. RJ. p.99
Esse contexto de opressão do regimento salazarista vai se perpetua até as independências das colônias em África em meados da década 1970.
O cenário internacional pós- segunda guerra mundial proporcionou uma divisão política no globo terrestre dividindo e os países numa bipolaridade que se entendia aqueles apoiados pelo bloco socialista (comunismo) e o bloco capitalista, as divergências entre a parte socialista e a capitalista coloca no cenário mundial o inicio da guerra fria que vai muda o contexto das colônias africanas em relação ao regime salazarista. Com influência do bloco socialista nas lideranças africanas contra o salazarismo, inicia na década de 1950 os partidos para a libertação nacional nas colônias dominada por Portugal. O império português anticomunista começou a reprimir com violência as revoltas nessas colônias que na década de 1960 com o apoio do bloco socialista começa a se revolta com armas e técnicas de guerrilha usadas pelos partidos de libertação.
A articulação para a libertação do Cabo Verde e Guiné-Bissau diante do regime salazarista proporcionou o enfraquecimento deste mesmo regime culminando na Revolução dos Cravos na metrópole opressora. O partido que fez essa mudança foi o PAIGC liderado por Amilcar Cabral e suas articulações e concepções novas para a formação cultural em prol da libertação de uma doutrina colonial.
A construção da libertação e o militante nº 1
As independências de Guiné-Bissau (1973) e Cabo Verde (1975) são datadas do inicio da década de 70, a construção da libertação começou pela literatura de autores desses países mostrando o sofrimento diário dos autóctones, principalmente no caso da Guiné-Bissau. A questão de ser ou não um autóctones em Cabo Verde gerou grande embate na formação da identidade na construção da libertação deste país.
A população cabo-verdiana participou intensamente de um processo de crioulização ou mistura de culturais dentro do arquipélago. O seu processo de colonização gerou essa crioulização ocorreu entre as populações portuguesas e pelas migrações involuntárias principalmente dos escravos africanos que formou a maior parte das populações das ilhas.
A literatura fomentou a conscientização das pessoas que sabiam ler e escrever em português, porque ao longo do processo colonial não teve um processo intenso de letramento dos autóctones na língua portuguesa construindo assim uma população analfabeta na língua do colonizador.
Parte da elite local que tinha acesso à educação feita para uma política de assimilação no caso de Cabo Verde, essa elite se considerava mestiça fugindo de uma tida raiz “tribal” de seus ancestrais escravos que colocariam como inferiores. Muitos integrantes dessa elite mestiça concluíam seus estudos em Portugal. Esse contato da elite mestiça com as populações da metrópole gerou conflitos na questão da dita identidade mestiça, construída pelas políticas de assimilação.
O conflito de identidade desses ditos mestiços estimulou em alguns intelectuais da elite mestiça a busca de uma resistência contra opressão sofrida na metrópole, assim suscitando neles suas raízes africanas. Os intelectuais passaram a compreender que construindo uma literatura valorizando as origens africanas iriam combate e se opor a opressão colonial vivenciada na metrópole.
Todo esse embate e uma nova construção ideológica fez surgir lideranças em prol da libertação de Cabo Verde e Guiné-Bissau no caso específico desses dois países, ganha destaque o papel da luta exercida por Amilcar Cabral como militante nº 1.
A vivência de Amilcar Cabral na metrópole fez com que, ele conhecesse outros militantes na luta pela libertação e o obras de autores contra a colonização e o racismo. A condição de negro vivendo na metrópole e ainda oriundo de uma colônia faz Cabral refletir sobre a condição humana em que as populações negras vivem, seja ela em África ou nos outros países onde há uma população negra oriunda de uma migração involuntária através da escravidão no processo colonial. Essas reflexões do militante nº 1 afloraram com o conhecimento de autores negros da diáspora e o movimento negritude no qual era formado por intelectuais como Aimé Cesaire.5
Sua formação política foi em teorias marxistas, mas para introduzir uma ação intelectual nos povos contra o poder colonial, Cabral preferiu trabalhar a questão da cultural “Na nossa situação concreta temos que dar grande atenção à resistência cultural”,6 se impondo culturalmente contra o colonizador e seu sistema vigente opressor fará um embate sobre a questão em que a colônia ver o colonizado como inferior. A ação cultural coloca em igualdade o negro colonizado e o branco colonizador assim mostrando ao opressor que cultura do colonizado não é inferior e nem pior, construindo pilares para a formação intelectual dos povos na luta de libertação.
A luta pela independência tomou maiores proporções com a fundação do Partido da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no ano de 1956 tendo como seu líder Amilcar Cabral. Caracterizando uma unidade entre o arquipélago e a Guiné-Bissau na luta de libertação, essa unidade faz pensar a origem do Cabo Verde ligada as suas raízes africanas e de como o sistema colonial tentou apagar e criar um estilo cultural para essa população visto como mestiça formado por um passado europeu e deixando de lado o africano, Cabral explica o porquê da assimilação imposta pelo estado colonial:

Para fugir...ao dilema da resistência cultural – a dominação colonial imperialista tem tentado criar teorias que, na realidade, são grosseiras formulações de racismo e que na prática se traduzem num permanente estado de sítio para as populações aborígenes...na base da ditadura racista (ou democracia). Isto, por exemplo, é o caso da suposta teoria da assimilação progressista das populações nativas, que não é mais do que uma tentativa menos violenta para negar a cultura do povo em questão.
CABRAL, AMILCAR. “National Liberation and Culture”. In: Unity and Struggle; Speeches and Wiritings of Amílicar Cabral.


As estruturas do sistema colonial na sua forma, mas cruel pode ser compreendida no que se refere à dominação mental dos indivíduos. Com uma formação política e cultural e o desenvolvimento da resistência cultural o sistema colonial opressor passara a sentir a força da luta, mas no caso de Cabo Verde e Guiné-Bissau a força cultural não vai ser suficiente para se livra do domínio português e sim a luta armada.
A primeira insurreição será em 1963 com participação de todos do movimento de libertação entres eles o PAIGC, que com ajuda soviética de armas e treinamento de guerrilha, vão luta até suas independências inicio de 1970.
O maior expoente da luta e o militante nº 1 do movimento libertação Amílcar Cabral não chegou ver a libertação dos países, foi assassinado em 20 de janeiro de 1973 pela polícia política (PIDE).
Todo o sistema opressor faz o seu fim, no caso visto nesse trabalho onde as teias da opressão se formaram no século XV e só caíram no século XX. As feridas deixadas pelo sistema colonial português não saíram fácil daquelas populações que tiveram um grande atraso econômico causado por anos de exploração predatória das riquezas oriunda daquelas terras.
A consciência e a formação política dos seus líderes contribuíram de uma forma sólida para refazer os estados e a resistência cultural fez com quem suas populações revisassem seu passado e suas resistências anteriores ao longo do processo colonial.
O fim do sistema colonial e a “libertação” destes países não significaram numa melhora rápida e nem uma consciência mutua em prol do desenvolvimento. A economia já enfraquecida pela exploração colonial e o inicio de divergências políticas para uma consolidação dos sistemas nacionais, pós-regime colonial dificultando as melhorias necessárias. Em suma, os movimentos de libertação trouxeram de volta a ideia que tudo pode ser alterado mesmo num sistema opressor tão forte e violento.





1 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Tomo I A época colonial: Volume 1 Do descobrimento à expansão territorial. 16ª edição. Editora Bertrand Brasil. P.35
2 Ibidem. P.39

3 Ibidem. P.39
4 ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil Novas Áfricas; Portugal e o Império (1808-1975). Editora Afrontamento. P.215

5 Intelectual e uns dos principais líderes do movimento negritude.

6 CABRAL, Amílcar. P.A.I.G.C; Textos Amilcar/ nº 2. Lisboa- 1974


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do Ultracolonialismo. Editora Civilização Brasileira S.A. RJ.
ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil novas Áfricas: Portugal e o Império (1808-1975). Editora Afrontamento.
CABRAL, Amílcar. P.A.I.G.C. Unidade e Luta. Textos Amilcar Cabral/ nº2. Lisboa-1974.
CABRAL, Amílcar. “National Liberation and Culture”. In Unity and Struggle: Speeches and Writings of Amílcar Cabral. Monthly Press. 1979.
JORDAN, Josehp. Cabral no cruzamento de Épocas; Cabral solidariedade e a Diáspora Africana nas Américas.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Tomo I A Época Colonial: Volume 1 Do descobrimento à expansão territorial. 16ª edição. Editora Bertrand Brasil.
MENDY, Peter Karibe. Revista de estudos guineenses Soronda: A herença colonial e o desafio da integração. Nº 16. Julho. 1993.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Por Pérola Reis, Vanir Junior, Elizabete Chaves, Laíne Mendes e Duda Weber


Quando falamos de Micro-História, é essencial antes contextualizarmos a situação do debate historiográfico na década de 70, no grupo dominante na produção de conhecimento histórico: Os Annales. O momento de divergências teóricas em tal grupo se dá em torno da questão quantitativa, a retomada da narrativa e da história política. Isso cria sintomas da crise de confiança na história focada primordialmente no social e produzida a partir de uma cunhagem mais geral, que leva às diversas críticas a posteriori, como a de François Dosse, que evidenciou esta fase como um momento de contradição e perda da linha teórica dominante dos primeiros Annales.
Assim, surge no decorrer dessa mesma época uma corrente que terá sua maior expressão na Itália sem, contudo, ter sido mencionada primeiramente lá: A Micro-História. Este gênero historiográfico é, de certa forma, recente e se constitui, grosso modo, como uma proposta de reduzir o foco de observação, com o objetivo de tentar localizar um aspecto não percebido antes por uma abordagem generalizante e mais tradicional.
Mas como já dito neste texto, a menção da Micro-História já havia sido feita em outros locais sem ser a Itália. Podemos citar a sua menção por George R. Stewart nos EUA, com a obra “Not so Rich as You Think”. Ele prega uma análise microscópica, como é possível perceber na obra “Pickett´s Charge. A Microhistory of the Final Charge at Gettysburg, July 3, 1863”, falando de forma bem minuciosa sobre certa batalha da Guerra Civil Americana. Além dele, teremos outras abordagens no México, com Luis González y González na obra “Pueblo em vilo. Microhistoria de San José de Gracia” a partir da análise de uma aldeia minúscula num espaço de quatro séculos. Entretanto, pode-se enfatizar que González já havia lido sobre a Micro-História no “Traité de sociologie” organizado por Georges Gurvitch. Braudel também já havia mencionado a Micro-História, contudo, com certa negatividade. Citamos também o livro “A Tabela Periódica” do Italiano Primo Levi. “Zaharoff Lecture” de Richard Cobb que se utiliza das palavras de Raymond Queneau em contraposição aos fatos cotidianos, Cobb não expõe explicitamente Micro-História, e sim, a historiografia menor.

A micro-história não forma uma escola, ou um corpo de proposições unificadas, muito menos uma disciplina autônoma. Ela é uma prática de historiadores, que enfrentam ao longo de caminhos diversos, de obstáculos e incertezas uma experiência de pesquisa. São as novas formulações que começam a surgir e que formam esse grupo, mesmo a partir de heterogeneidades. O que significa dizer que ela não constitui um grupo homogêneo.

Mas a micro-análise não se baseia única e exclusivamente na redução da escala. A micro-história representa muito mais do que isso. O grupo que se reuniu em torno deste ideal – sendo este muito mais uma prática do que propriamente um trabalho – e formulou a revista Quaderni Storici, pela editora Einaudi, de direção de Carlo Ginzburg e Giovanni Levi, propunha uma produção historiográfica que ia muito além de uma escala menor de pesquisa, pois, devido ao fato de sua heterogeneidade, a micro-história pode se conectar às mais variadas formas teóricas, além de propor uma análise cuidadosa do micro. Não se trata de uma visão simplista sobre aquilo que é menor, mas de uma abordagem sistematizada, o que requer um considerável número de fontes para que o trabalho micro-analítico seja possível, além de construir significativa importância a estes micro-acontecimentos.
A corrente italiana se vincula ao modelo francês, mas expõe uma interrogação sobre a história social e sua construção de objetos de estudo. Ao contrário dos Annales, que produzem a partir de um tipo de história que tem uma amplitude mais geral, ou seja, aquela que apresenta maior generalidade – para não dizer que é aquilo que se repete, pois sabemos que a história NÃO se repete, apresentando certa relatividade, aspecto muito bem abordado por Edward Carr, em seu livro “Que é História; mesmo quando está em uma escala mais geral, diferencia-se das ciências exatas e naturais por não apresentar regularidade; filósofos subjetivistas como Wilhelm Dilthey, por exemplo, já haviam se rebelado, no início do século XX, contra tal modelo esquemático, positivista, causal e fechado; mais tarde, os Annales irão romper com a história positivista –, sendo macro-analítica, em análises estruturais, quantitativas (tabelas, gráficos, números), a corrente da micro-história propõe o estudo a partir micro-análise. Isso ocorre até mesmo pelo fato de que a história macro, ou seja, a história social, hegemônica, de certo modo, não estava mais dando conta das diversas mudanças e crises sociais que surgiam cada vez em maior grau, nas décadas de 70 e 80.
É importante neste trabalho levantarmos as visões de alguns autores importantes sobre o conceito de micro-história e tentarmos achar formulações comuns entre as diversas visões.
Carlo Ginzburg
Primeiramente, a visão de Carlo Ginzburg. Este, sendo um dos mais importantes nomes na micro-história, expõe que a micro-história italiana nasce da oposição aos modelos mencionados neste trabalho, como o norte-americano, o mexicano e o francês, que são mais voltados a apresentarem uma “petite histoire”, ou seja, uma história menor, ou pequena. Ginzburg diz que a micro-história não se limita à pequena história, mas elenca e costura os diversos rastros a fim de formar uma narrativa que produza conhecimento histórico (iremos abordar com maior número de detalhes a questão da narrativa na micro-história mais tarde, também a partir da visão dos autores abordados sobre tal aspecto da micro-análise).
Com a redução da escala, produz-se uma nova forma de trabalho, aquilo que Ginzburg chamou de “paradigma indiciário”. Tal forma se caracteriza justamente pela busca dos diversos indícios que passam despercebidos pela história de visão totalizante, mas que estão dentro da mesma. A intenção do trabalho com a micro-história é, além de localizar fatos de grande especificidade, estabelecer diálogo entre a escala macro e micro. Não se está anunciando um todo de um longo tempo, como é possível encontrar nas linhas teóricas de Fernand Braudel, mas sim um fragmento de dentro de uma escala macro até então não percebido ou desconhecido.
Segundo Ginzburg, a micro-história italiana não examinou somente temas de importância notória, mas também âmbitos inferiores, desconhecidos, da história local. O que não significa dizer este tipo de trabalho é caracterizado somente pelo estudo ou construção de objetos de estudos voltados para a questão do local. O quesito local é apenas um dos objetos que podem ser estudados pela micro-história. Os objetos de estudo podem ser os mais variados possíveis, como comportamentos de determinados grupos, trajetórias e ação de certos indivíduos, fatos variados desconhecidos, entre outros. Mas não com o descaso de estudar o micro pelo micro. Deve haver sempre a preocupação de estudar o micro a partir de um olhar abrangente.
Atribuir significativa importância a um fato, que não passaria de um mero detalhe, que poderia ser uma simples nota em um determinado texto, e transformá-lo em um livro, por exemplo. Além de conectá-lo a outros rastros e maior ou menor importância, tornando a análise do social, pela perspectiva micro, mais completa. É justamente o que ele expõe em “O Fio e os Rastros”. A idéia de um fio que conduz aos diversos rastros na construção de um objeto de pesquisa. Um fio que direciona o pesquisador pela ótica historiográfica, a partir de rastros que se ligam a um todo mais complexo. Ou seja, rastros não percebidos pela visão geral, aquela que é macro-analítica, na construção do fato histórico, a partir da perspectiva micro-analítica, pelo estabelecimento de uma espécie de rede de relações entre os rastros, rede esta que também se conecta a um contexto amplo, a partir da formulação de uma narrativa. Os rastros, Ginzburg diz, que são o limite do micro-historiador. A própria fonte, o documento. Limite este que deve ser respeitado no trabalho da micro-análise.
Ginzburg detalha ainda mais a situação da produção historiografia na época, marcada pela história da mentalidade, que por muito tempo foi relegada à marginalidade, na segunda geração, quando Fernand Braudel era o principal nome dos Annales, mas que foi retomada e intensificada por historiadores como Jacques Le Goff. E pelo fato da micro-história surgir praticamente no mesmo tempo em que a história das mentalidades estava em progressiva ascensão, era comum ocorrer o erro daquela com esta. A micro-análise é muito mais profunda e detalhada do que a análise da história de estruturas mentais.
Jacques Revel
Para Jacques Revel a micro-história surgiu como uma reação contra a hegemonia da história social. Ele tenta entender a micro-análise dos italianos a partir da história social, partindo da concepção de que a micro-história implica reformular concepções, procedimentos e exigências da história social. Para Revel a micro-história tem o valor de um sintoma historiográfico uma reação contra a história social á francesa, econômica, marxista e estruturalista que é a mais criticada, por essa estudar o social a partir da história serial, aquela que apresenta certa regularidade, onde a importância está nos grupos, no coletivo. Desta forma, a duração escolhida para estudar esses temas é sempre a longa. O grupo da micro-história vai contra essa concepção de que só é possível estudar o social a partir de grupos e não indivíduos isolados.
Ainda que Ginzburg reconheça a micro-história italiana baseada no modelo francês, é possível perceber que Revel enfatiza que os italianos não produzem o mesmo trabalho dos franceses, sendo outra forma de pensar, de trabalhar com o passado que está em harmonia com os variados contextos dos anos 70 e 80. Revel também fala sobre a questão da redução da escala de análise, mas explica que tem que haver uma integração a partir do micro com o macro, pois o micro tem fios que se conectam com o macro. Para dar sentido ao micro deve integrá-lo ao macro, para o micro adquirir inteligibilidade, e essa integração quem constrói é o historiador.
A abordagem micro-histórica busca enriquecer a análise social tornando suas variáveis mais móveis, mais numerosas, mais complexas. As abordagens vão tornar a análise mais complexa, integrando os mais diversos e diferentes materiais. Para Jacques Revel é a variação de escalas que importa, não é uma análise em detrimento a outra é as interligações entre o micro e o macro.
Jacques Revel salienta em seu texto que a abordagem micro-histórica apesar de ter se tornado muito comentada e debatida entre historiadores nos últimos anos, é algo restrito, onde são poucos os grupos a se utilizar desse método e que a problemática e a interpretação da micro-histórica não foi homóloga em toda parte, ao contrário e cita como exemplo dessa diferença o caso da micro-história americana e francesa, onde a americana, por meio de Ginzburg vê a micro-história como um paradigma indiciário, onde a pesquisa se dá através da busca por indícios, pistas, sinais para decifrar uma realidade. Já a americana observa a micro história como uma interrogação da história social e a construção de seus objetos.
Revel defende que a micro-análise pode levar mais perto do real, pois sua perspectiva é mais rica, sendo mais complexa já que se inscreve em um maior número de contextos diferentes. E é justamente este um dos pontos mais marcantes do texto “Jogo de Escalas” de Revel. Ele afirma a importância de se localizar o contexto do objeto que se trabalha, pois isso permite uma boa análise do social. Para ele, não pode ser um trabalho preguiçoso caracterizado em fazer o já pensado, mas selecionar quais os contextos que fazem parte do objeto de pesquisa. Há vários contextos, contudo, é importante selecionar e relacionar aqueles que são necessários para a construção da análise. Ela enfatiza que este trabalho de contextualização múltipla deve ser feito pelos micro-historiadores. E dentro desta seleção, perceber que há várias maneiras de um ator histórico participar das dimensões analisadas, havendo diversas variações entre os níveis locais e globais. Assim, é possível identificar a ligação de um indivíduo com as demais instâncias que o rodeiam, reforçando como característica da micro-história a relação do individual, muitas vezes não notado, com o coletivo, e evidenciando que o indivíduo não é nulo.
Revel sustenta como método de trabalho da micro-história a construção do objeto de estudo por uma validação empírica. O que significa afirmar que a corrente micro-historiográfica se liga muito às fontes da pesquisa, aos diversos arquivos utilizados. Tal característica está diretamente relacionada com a questão contextual, já que são as fontes que contribuem consideravelmente para o entendimento de um determinado contexto.
A Narrativa é algo de extrema importância na prática micro-histórica. É importante neste trabalho contextualizar a retomada da narrativa na produção historiográfica, a partir da década de 70 do século XX para que em seguida possamos falar da sua utilização na micro-história.
Peter Burke, em sua obra, “A Escola dos Annales – A Revolução Francesa da Historiografia” aponta, a partir da viragem antropológica na escola francesa, o retorno da história política e da narrativa, possibilitados pelo amplo contexto da época, marcado por inúmeros acontecimentos e repercussões no campo social, como as diversas guerras – Vietnã, Afeganistão –, Crise dos Mísseis, Primavera de Praga, Revolução Cubana, Patrocínio de ditaduras e muitos outros, dentro de um mundo marcado pela bipolaridade política da Guerra Fria.
Essas reações dentro dos Annales se constituíram contra todo o determinismo adquirido pela escola, principalmente na segunda geração, com Braudel, quando se apoiavam numa visão negativista sobre a narrativa, considerada como algo não-científico, cuja sua eliminação é indispensável para o estatuto científico da História. O contexto social variado possibilitava assim a retomada de linhas de pensamento antes esquecidas. A prática da narrativa frente à história quantitativa, tendo como adeptos, por exemplo, Philippe Ariés, sem sombra de dúvidas é a mais marcante. Mais até do que a retomada da produção da história política, pois esta é trabalhada dentro da ótica da narrativa. É importante ressaltar que essa narrativa não é a mesma que foi combatida por Marc Bloch e Lucién Febvre, ou seja, a narrativa factual. A nova narrativa não se preocupa apenas com o texto escrito, mas sim com o caráter epistemológico do que é produzido. Há o intuito de atribuir sentido ao passado e a explicação de seus fenômenos.
E é esta nova narrativa que se manifestou em várias linhas historiográficas da época, mas tem um grande impulso na até então muito nova micro-história. Esta, como já abordado neste trabalho, surgindo a partir da crise de confiança na história social hegemônica, que não estava dando conta de entender os cada vez mais diversos fenômenos daquela década. Como a micro-história reduz sua escala de observação para tentar identificar aquilo que não foi percebido numa escala macro, a narrativa é primordial, pois por meio dela é possível obter uma descrição detalhada e minuciosa do objeto estudado. Por isso, a micro-história é narrativa. Ela foca o individual, o particular, com isso se volta para a narrativa.
Na micro-história a narrativa vai ter um papel fundamental, pois é através dela que o historiador consegue conectar os indícios encontrados nas fontes e ligá-los para explicar, contar o acontecimento. Ela constitui a própria explicação e esta pode ser variada, conforme a interpretação do historiador, pois o discurso permite varias formas de abordagens e visões sobre um mesmo indivíduo ou acontecimento analisado. O que quer dizer que uma história pode ser narrada pelas mais variadas formas.
A narração micro-histórica se preocupa com a forma na qual o objeto será exposto e a participação principal do historiador na construção e interpretação do mesmo. A preocupação em torno das anomalias do documento, pois ele é apenas uma reflexão do passado e não o passado em si.
Qual a diferença da narrativa do historiador e do romancista? Existe uma distinção, mas qual é? Não é somente a questão de uma ser ficcional e a outra não, até porque de certa de forma o historiador também cria e participa da invenção do próprio tempo. A principal distinção seria, então, que o historiador apesar de poder criar os acontecimentos, está sempre se embasando nas fontes para compor seu trabalho, por onde deve procurar se limitar, diferentemente do romancista ou ficcionista. Embora construa o fato, o historiador deve saber limitar a sua narrativa às possibilidades que o documento lhe oferece.
Mas diferentemente de uma concepção que via a narrativa histórica como um simples formulário, Jacques Revel bem falou que há formas expositivas na construção do objeto e os micro-historiadores se utilizam de diferentes métodos narrativos, como um inquérito judicial, no caso de “O queijo e os vermes” (Ginzburg), ou, como no caso e outra obra exemplificada também no texto de Revel, “Enquête sur Piero della Francesca” (Ginzburg), sendo uma espécie de trama policial. O micro-historiador possui preocupação em construir o seu objeto, conforme sua interpretação, e a escolha de uma forma expositiva da narrativa também pode ser relacionada como procedimento do projeto de pesquisa e experiência histórica.
O historiador Henrique Espada Lima, da UNICAMP, baseado nas discussões de Carlo Ginzburg, destaca o quão significante é a narrativa no trabalho micro-historiográfico. Ele foca no “paradigma indiciário” de Ginzburg e faz uma reflexão sobre a abordagem principal escolhida para o texto “O queijo e os vermes”. Esse livro chega a ser comparado por Henrique a um quebra-cabeça, algo que vai ser montado de forma bem minuciosa e detalhada. Caso uma peça se perca, o jogo não se conclui. “Cada peça é analisada e testada”. As freqüentes perguntas e hipóteses, que antes sofriam com certa insegurança sobre as respostas, tornam-se mais seguras por esta profunda análise. “Em termos narrativos, tanto a linearidade quanto a onisciência do narrador saem do livro abaladas. O ganho interpretativo, entretanto é inegável.”


"Os nexos entre história e narração faziam parte do argumento desenvolvido em sinais, no qual Ginzburg ligava diretamente a história a outras formas de inteligibilidade da realidade: o historiador, como o caçador primitivo, aprendia a capturar a partir de pistas, rastros muitas vezes fugidios os fios de uma narrativa." (p.102)


Ele leva em conta a questão do rigor na produção do conhecimento gerado pelos indícios. Outra questão ressaltada, dessa vez por Auerbach, é o tempo. Henrique expõe essa validação: “O tempo da cena se amplia na narrativa, todo o movimento que se vê nela é interior, realiza-se na consciência das personagens, presentes ou não à cena.” O texto parece que perde sua objetividade, o narrador ganha seu espaço na história que está sendo construída, “como quem duvida, interroga e procura.” Será que essa intenção de subjetivar, mesmo que de forma relativa, dará certo? Há alguma essencialidade ao definir a realidade propriamente dita nessa subjetividade presente no texto. As respostas estão na obra de Woolf: “A intenção da aproximação da realidade autêntica e objetiva mediante muitas impressões subjetivas, obtidas por diferentes pessoas, em diferentes instantes, é essencial para o processo moderno que estamos considerando.”
As narrativas inventadas no século XX são as mesmas utilizadas na atualidade, principalmente por favorecer as formas de raciocínio e de comunicação precisas pelo historiador, em prol da relevância de seu trabalho. A narrativa é algo indispensável para o historiador. Henrique deixa claro que cabe ao historiador escolher o modelo de narrativa a ser aplicado ao seu trabalho para a devida produção historiográfica, ao expor diversos autores que se utilizaram de recursos estilísticos em suas produções – como, por exemplo, Woolf, que se utiliza de uma linha literária romancista – entrando em concordância com visão de Jacques Revel sobre as formas de narrativa, algumas já citadas acima, quando falamos como era a narrativa das obras de Ginzburg. Mas é importante reforçar mais uma vez, conforme Ginzburg, que o historiador conheça sua limitação para não entrar no campo ficcional.
Essa narrativa é marcada por significativa especificidade, sendo bem mais detalhada e descritiva do que no âmbito da história das mentalidades, que possui um caráter mais generalizado. O reforço desta consideração é importante, uma vez que muitas pessoas, inclusive historiadores, caem no erro de confundir a micro-história com história das mentalidades.
Após Falarmos sobre a questão da narrativa, podemos concluir, a partir da visão dos autores apresentados, que a micro-história não se constitui somente por características como uma prática em que se reduz a escala de análise, mas que propõe a localização de rastros e ligação deste, através da linha traçada por aspecto narrativo. O historiador é um caçador, cada pista, sinal chega mais perto de sua presa (passado). Pois nada é dado, como diz Ginzburg, toda a pesquisa realizada ocorre a partir das fases construídas. Toda essa metodologia trabalhada em torno da Micro-história transforma-a em uma “congestão de revelações”, o que significa dizer que o historiador deve costurar as diversas pistas encontradas na sua investigação, o paradigma de indícios que o levarão a construir seu objeto. Objeto este não percebido por uma escala macro.
Assim, o objetivo da micro-história não é apenas localizar algo não percebido, mas fazer deste mesmo algo um instrumento de inteligibilidade interativa com um contexto maior, visando a construção social. Daí a importância do micro integrar o macro, uma peça do Puzzle, como Revel e Henrique Espada falaram. O micro aproxima o historiador do real e é justamente da junção do micro e o macro que se origina uma construção histórica completa, uma vez que riqueza e complexidade da micro-análise revela detalhes antes não percebidos um processo macro-analítico. Ou seja, o diálogo é estabelecido entra as instâncias gerais e específicas e a narrativa descritiva permite isso. E ainda que, como Revel afirma, ela faça frente à hegemônica história social, a proposta micro-histórica não visa o prejuízo do macro, mas busca tornar a análise histórica do social mais enriquecida através da reciprocidade das escalas e localização de contextos necessários à pesquisa proposta.
A forma de expor o conhecimento construído se dá através da narrativa, que como vimos, pode se utilizar de recursos literários e estilísticos variados, sendo isso também considerado uma forma experimental da construção histórica e intrínseca ao processo micro-análitico. Assim, podemos considerar a análise histórica da corrente micro como uma contribuinte para o conhecimento mais profundo da realidade social.

Referências Bibliográficas:

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GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros – Verdadeiro, falso, fictício. Companhia das Letras, 2007.

LIMA, Henrique Espada. Narrar, pensar o detalhe: à margem de um projeto de Carlo Ginzburg. ArtCultura (UFU), v. 9, p. 99-111, 2007.

REVEL, Jacques. Jogos de Escalas – A Experiência da Microanálise. FGV: Rio de Janeiro, 1998.

Site da Imagem
(GINZBURG): http://wp.clicrbs.com.br/fronteirasdopensamento/files/2010/11/ZILE.jpg, acesso em: 14.12.2011

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(REVEL): http://noticias.academia.cl/?p=974

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(mão escrevendo): http://vidawaldorf.blogspot.com/2011_08_01_archive.html