segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

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Por Rafael Oliveira

O Filme “O Velho – A História de Luis Carlos Prestes”, dirigido por Toni Venturi e produzido em 1997, tem como objetivo demonstrar e humanizar a imagem de Prestes. Para tanto o autor busca analisar sua vida desde o nascimento, em 1898, até sua morte em 1990, dando ênfase no caráter político de sua trajetória.
Prestes, aos seis anos de idade se mudou para o Rio de Janeiro, com sua mãe e irmãos. Estudou no Colégio Militar, onde se formou como Major Aluno. Nesse período, a história brasileira passava por momentos conturbados, com bastante crise política. Havia um questionamento à República Oligárquica, que predominava no país.

Na década de 1920, a sociedade brasileira viveu um período de grande efervescência e profundas transformações. Mergulhado numa crise cujos sintomas se manifestaram nos mais variados planos o país experimentou uma fase de transição cujas rupturas mais drásticas se concretizariam a partir do movimento de 1930.[1]

            O ano de 1922 foi de bastante efervescência política. É fundando, em março, o Partido Comunista Brasileiro. Nesse mesmo ano eclode as rebeliões tenentistas, como por exemplo o levante do Dezoito do Forte, buscando uma reforma na Constituição. Prestes não participou desses levantes, pois estava internado com Tifo.[2]
            Em 1924, eclodiria, em São Paulo, outra ação tenentista para derrubada do governo de Arthur Bernardes. Em poucos dias, os tenentes, liderados por Miguel Costa, tomaram a cidade. O governo respondeu, e começou a bombardear a cidade. Os tenentes resistem por um tempo, mas acabam saindo da cidade, marchando para o Oeste paranaense. Ao mesmo tempo, Luis Carlos Prestes toma o quartel de São Ângelo, no Rio Grande do Sul, e forma, como ficou conhecida, a Coluna da Esperança. Vitorioso no Sul, Prestes se encontra com a Coluna de Miguel Costa no Paraná, e o convence a unir ambas as colunas e continuarem na luta. Surge assim, a Coluna Prestes-Miguel Costa.
            A Coluna percorre pelo interior do país, até o ano de 1927, quando, os que restavam se refugiaram na Bolívia. Marieta Ferreira nos diz que na historiografia existem três correntes principais sobre o tenentismo: a primeira o explica como um movimento oriundo da pequena burguesia representando os interesses desse grupo por uma maior participação política; a segunda, surgida nas décadas de 1960-70, contesta a questão da origem social e privilegia os aspectos institucionais do movimento, vendo-o como um produto militar, com objetivo de defesa da corporação; a terceira corrente defende uma ideia mais global, levando em conta, não apenas a situação institucional dos tenentes, mas também suas origens e composições sociais.[3]
            Luis Carlos Prestes, em entrevista apresentada no filme, nos informa que o objetivo da Coluna era a substituição de Arthur Bernardes no poder, e que, a partir do conhecimento das questões sociais e da miséria que abarcavam o interior do país, a visão dele sobre a questão central do movimento começa a ser alterada. Em seu exílio na Bolívia, Prestes recebe de presente de Astrojildo Pereira, diretor do Partido Comunista Brasileiro, artigos de Lênin e o Manifesto Comunista. É nesse período que Prestes se dedica ao estudo do marxismo.
            Com a crise de 1929, a República agonizava nas mãos de Washington Luís. É nesse contexto que Getúlio Vargas oferece à Prestes o comando da Revolução de 30, mas eles não acabam chegando a um acordo. Prestes, contrário a política de Vargas, escreve o Manifesto de Maio, fazendo com que o PCB o acusasse de “pequeno burguês demais para se preocupar com a causa proletária.”[4] Getúlio Vargas, ao lado dos mais famosos tenentes que fizeram parte da Coluna Prestes, consegue tomar o poder. Prestes é então exilado, e vai para Moscou em 1931. Marly Vianna nos diz que

apesar de não terem um programa de transformações sociais definidas, sendo suas propostas bastante vagas e moralistas, os tenentes foram os representantes das necessidades de mudança e democratização da vida política, expressando os anseios da maioria da população brasileira. [5]

            Na Rússia, Prestes se aproxima do Partido Comunista Russo. Pretendendo voltar ao Brasil, Prestes faz vários pedidos de filiação no PCB, tendo sua entrada negada todas as vezes. Apenas em 1934, através de ordem expressa da Internacional Comunista, Prestes tem seu pedido aceito. Ele, então, retorna ao país, clandestinamente, e busca contato com seus parceiros da Coluna pedindo para que se reorganizassem. Prestes estava certo de que contava com o apoio Internacional para o levante comunista no Brasil.
            Em 1934, os tenentes se desiludem com o governo de Getúlio. Surge então a Aliança Nacional Libertadora, um grupo multifacetado, que tinha, como objetivo “defender a Liberdade e a Emancipação Nacional e Social no Brasil”[6], e como presidente de honra, Luis Carlos Prestes. Em 1935, o clima político se encontrava conturbado no Rio Grande do Norte. Após a prisão de soldados do 21º BC após um assalto a um bonde, os tenentes de Natal se rebelaram e tomaram, com facilidade, o quartel.[7] Porém, sem muito apoio do PCB, o levante em Natal foi bastante desorganizado. Marly nos diz que “apesar da desorganização do movimento, Natal ficou quase quatro dias nas mãos dos rebeldes.”[8] Em Recife, também houve um levante tenentista, porém bastante reprimido pelo governo.
            A década de 30 foi marcada por várias rebeliões de quartéis. Enquanto ocorriam os levantes no nordeste, a direção do PCB e a IC desconheciam completamente o que ocorria. Quando as notícias começavam a chegar ao Rio de Janeiro, os líderes dos levantes no nordeste já estavam sendo presos. Mesmo assim Prestes decidiu pelo levante na capital.
            Marly nos diz que Prestes buscou contato com a IC para comunicar que a decisão pelo levante fora tomada.[9] No filme, o jornalista William Wack nos informa que Prestes, antes de decidir pelo levante, pergunta a Moscou se poderia ir à luta. Moscou manda uma resposta positiva, porém, quando a resposta chega, Prestes já havia tido que tomar a decisão por conta própria, devido a situação em que se encontrava.[10] Prestes, durante toda sua vida, afirmou que a decisão pelo levante foi dele.[11]
         
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   O levante no Rio de Janeiro só teve fôlego nos quartéis da Praia Vermelha, porém os mesmos foram rapidamente silenciados. Não houve apoio popular, e isso facilitou o fracasso da revolta comunista brasileira.[12] Miranda, secretário do partido no Brasil leva a culpa pelo fracasso, embora Prestes, em várias entrevistas, se assumisse como responsável pela derrota.[13] Com a vitória do governo na Praia Vermelha em novembro de 35, tem início a campanha contra os comunistas.
            Vários comunistas são presos, interrogados e torturados pelo governo. Um deles, Victor Barron, após várias sessões de tortura, acaba falando o nome do bairro em que Prestes havia se escondido com sua esposa, o Méier. Há uma busca da polícia durante 40 dias, de casa em casa para encontrar Prestes.[14] Eles são encontrados, Prestes é preso, e Olga é deportada para a Alemanha, onde morre, em um campo de concentração, no ano de 1942.
            É nesse contexto que há o levante do movimento integralista no Brasil, liderado por Plínio Salgado. Os Camisa Verde e Getúlio Vargas desejam destruir o PCB.[15] Porém com a declaração do Estado Novo, os integralistas se sentem traídos por Getúlio. A Ação Integralista Brasileira tinham como inspiração o movimento fascista europeu, e seus militantes tinham como objetivo a adoção do regime no país.[16] Em 1938, tentam tomar o poder, através de um golpe, mas acabam perdendo em poucas horas.[17]
            Embora o filme trate sobre a vida de Prestes, ele dá uma breve “pincelada” no Estado Novo, período no qual Luis se encontrava preso. O Estado novo é retratado como um período que ao mesmo tempo em que afaga a população – através de benesses, leis trabalhistas, e ações populistas –, a maltrata – através da censura implantada pelo DIP, do autoritarismo e da forte repressão. No contexto internacional teve início, em 1939 a II Guerra Mundial. O Brasil só entra na guerra contra o Eixo em 1942, defendendo a democracia, e apoiando os Aliados.

Com a vitória dos Aliados foram postas em xeque as ditaduras e isso favoreceu os opositores de Vargas. As contradições do Estado Novo, um regime internamente autoritário e externamente favorável à democracia, tornaram-se explícitas e isto enfraqueceu o prestígio do “ditador”, que passou a ser alvo de oposição mais sistemática.[18]

            Com o fim do Estado Novo, em 1945, Luis Carlos Prestes é anistiado, e, depois de anos, volta a viver em liberdade.
            Embora o filme trate da vida de Prestes até sua morte, cabe-nos aqui, analisar até o fim do Estado Novo. Prestes sempre foi um homem de bastante influência política e querido por boa parte da população. Embora, tenha sofrido resistência em sua entrada, Prestes se torna Secretário Geral do PCB após sair da prisão. Podemos dizer que, embora o filme analisado trate da vida de apenas um homem, concomitantemente, ele analisa um dos períodos de maior efervescência política do país. Prestes pode ter cometido vários erros, como afirmam alguns, ou muitos acertos, mas o que não podemos negar é sua importância para a luta revolucionária no Brasil do início do século XX, onde figura como um dos nomes mais importantes.

Referências Bibliográficas
FERREIRA, Marieta de M. e SÁ, Surama C. “A crise dos anos 20”, in: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano – o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 387 – 415.
VIANNA, Marly de Almeida. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano – o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 63 – 105.
TRINDADE, Helgio. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. São Paulo: FIFEL, 1984, t.III, v.3, p. 297 – 360.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. “O Estado Novo: o que trouxe de novo?”, In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano – o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 107 – 143.

Referência Cinematográfica
O VELHO – A História de Luís Carlos Prestes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997. 1 videocassete (105 min).




[1] FERREIRA, Marieta de M. e SÁ, Surama C. “A crise dos anos 20”, in: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano – o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 389
[2] O VELHO – A História de Luís Carlos Prestes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997. 1 videocassete (105 min).
[3] FERREIRA, op.cit. p. 401-402.
[4] O VELHO – A História de Luís Carlos Prestes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997. 1 videocassete (105 min).
[5] VIANNA, Marly de Almeida. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano – o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 66
[6] VIANNA, op. cit. p. 81.
[7] Idem, p. 88.
[8] Idem, p. 90.
[9] Idem, p. 94.
[10] O VELHO – A História de Luís Carlos Prestes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997. 1 videocassete (105 min).
[11] Idem
[12] Idem
[13] Idem
[14] Idem
[15] Idem
[16] TRINDADE, Helgio. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. São Paulo: FIFEL, 1984, t.III, v.3, p.303.
[17] O VELHO – A História de Luís Carlos Prestes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997. 1 videocassete (105 min)..
[18] CAPELATO, Maria Helena Rolim. “O Estado Novo: o que trouxe de novo?”, In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano – o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 136.

sábado, 7 de dezembro de 2013

LP Panis Et Circencis - Lançado em 1968
Por Vanir Junior

Com a perseguição social que se instalou com o regime ditatorial de 1964, ocorreram inúmeras ações contestatórias de cunho popular contra o governo. Entre as várias mobilizações político-sociais (muitas já eram anteriores ao ano de 64) é possível mencionar, por exemplo, o engajamento do movimento estudantil[1]e as guerrilhas rurais e urbanas.
Além da mobilização política de contestação, mais do que evidente neste momento da história brasileira, há também um ponto que ainda não é tratado com a devida atenção pela historiografia, apesar de ter sido de extrema relevância no contexto histórico-social da ditadura: a mobilização artística e cultural. O ambiente artístico brasileiro em tal período foi de fundamental importância no que diz respeito à resistência e à contestação do regime político ditatorial, ao proporcionar o fortalecimento e consolidação do que a historiografia entende por arte engajada.
Neste sentido, pode-se falar da música como um importante veículo de mensagens de contestação política, já que a mesma era cada vez mais ligada às reivindicações políticas contrárias à opressão do regime militar. A música, assim como grande parte das artes engajadas, propôs a defesa da nação e sua re-significação pela ótica popular, contra o imperialismo cultural estrangeiro, bem como contra a burguesia alinhada a este mesmo imperialismo.
Os festivais da canção, ao longo de toda a década de 1960, por mais que estimulassem a competição em um ambiente cultural plural, no qual seus artistas traçavam caminhos diversos – apesar de ser possível falar de uma mesma estrutura de sentimento[2] –, puderam mostrar a diligência política presente no campo artístico musical, ao relevarem uma infinidade de gêneros musicais, como rock, as chanchadas, o samba, entre outros.
Desta forma, o objetivo deste trabalho é evidenciar a importância do tropicalismo musical (lembrando que o tropicalismo não foi apenas um movimento de cunho musical, tendo variadas vertentes, como o teatro e as artes visuais) como movimento que buscou intensificar a postura de contestação social através da radicalização da arte engajada e, deste modo, derrubar fronteiras entre as artes do período, através de nova abordagem artística com respeito ao nacional-popular, bem como sua incorporação ao que se entende por MPB. Entretanto, antes disso, faz-se importante – e necessário – saber como se deu o nascimento da música brasileira como arte engajada para, em seguida, focarmos na trajetória artística do movimento tropicalista. 

O surgimento da música politicamente engajada:

De acordo com Marcos Napolitano, a música popular engajada foi aquela que conseguiu estabelecer seu lugar no grande público, especialmente no ano de 1965. Neste ano se deu o nascimento da música popular brasileira [3]. Mas a música engajada, assim como outras artes classificadas do mesmo modo, como o teatro e o cinema, segundo este autor, não nascia aí. Apenas ganhava mais força neste momento.
Segundo Napolitano, é possível dizer que o primeiro conjunto de músicas engajadas politicamente remonta o período governo do presidente João Goulart[4], com nomes como Carlos Lira, Sérgio Ricardo, Nara Leão[5], entre outros. Em 1965, a música engajada ganhava cada vez mais espaço nos meios de comunicação, especialmente nos famosos festivais de TV, o que permitiu com que a mesma ocupasse lugar de considerável importância entre as massas[6].
O Brasil era invadido por uma ambiência questionadora, que se consolidava como um desdobramento da Bossa Nova, mas que negava, em algum grau, o tom intimista das letras e passava a focar mais no aspecto de crítica social[7], num âmbito de maior politização, geralmente com compositores alinhados à esquerda política. Em suas canções perpassava o tema do nacional-popular[8], o que ficou claro, por exemplo, nas músicas de Nara Leão, que refletiam os anseios sociais daquela época.
Neste sentido, Napolitano ressalta a importância da composição Arrastão[9], de Edu Lobo e Vinícius, que tinha como tema:

“... a solidariedade de uma comunidade de pescadores na luta contra as dificuldades cotidianas. Homenageava a religiosidade popular, os trabalhadores do povo, um Brasil solidário e pré-capitalista, cuja ação coletiva e comunitária parecia querer reiterar um caminho histórico a seguir pela nação, posto em xeque pelo golpe militar[10]

             As músicas eram comprometidas com o ideal de sociedade socialista, que foi gestado politicamente entre os anos de 1950 e 1960, em meio a um contexto de demandas reformistas sociais, como ficou evidentemente claro no mandato do presidente João Goulart. Tal projeto foi quebrado pela imposição militar de 64[11], mas, mesmo assim, nos anos posteriores ao golpe, o espírito contestador permanecia forte nas manifestações musicais.
Com o passar dos anos, as canções engajadas também garantiam seu espaço no mercado de LP’s, tendo como marcos nomes como Gilberto Gil e Vinícius de Morais, fortalecendo o ramo de canções que promoviam culturalmente uma identificação do popular com a nação.
As músicas tinham o intuito de questionamento da ordem político-social vigente. As composições tinham por lirismo um futuro revolucionário. As canções de nomes como Geraldo Vandré, como Caminhando, por exemplo, pregavam a importância de haver luta armada como ato de reconstrução sociedade para “o dia que virá”[12]. Este aspecto de um futuro idealizando, fortemente presente em Caminhando, também estava presente em outras letras de Geraldo Vandré, como em Porta Estandarte: “Por dores e tristezas que bem sei que um dia ainda vão findar, um dia que vem vindo”.
O que se pode dizer é que, num primeiro momento, o que norteou culturalmente estas músicas – assim como grande parte da arte engajada, sendo de esquerda comunista ou esquerda não comunista – foram os temas marcados pela afirmação do nacional-popular, que seria possível através da revolução brasileira, tão reivindicada nos meios artísticos engajados, de modo a re-significar o país. Napolitano afirma que houve considerável identificação e preferência de membros do campo artístico-cultural ao PCB[13].

O nascimento do Tropicalismo Musical e sua influência na MPB:

Com relação ao aspecto nacional-popular da música engajada, dois nomes foram importantes no sentido de serem responsáveis por acrescentar novas roupagens ao movimento. É um erro pensar a música engajada como uma coisa só. Marcelo Ridenti chama a atenção para o fato de que não havia uma total identidade entre os artistas desta época. Desta forma, com relação a linhas culturais divergentes dentro da própria música engajada, pode-se falar de Chico Buarque e Caetano Veloso[14]. Segundo Napolitano, Chico Buarque, mesmo tendo identificação com o nacional-popular, prezou em suas canções pelo lirismo nostálgico em detrimento do futuro revolucionário (do dia que virá)[15].
Maria Bethania, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil. 
Já Caetano e Gilberto Gil deram início ao movimento que ficou conhecido como Tropicália. O movimento surgiu a partir do III Festival de Música Popular da TV Record[16], em 1967, com as propostas musicais inovadoras de Caetano e Gil, como, por exemplo, o uso da guitarra elétrica nas músicas, além da influência do pop estrangeiro de nomes como Beatles e Paul Anka. Isto evidenciou o aspecto antropofágico do movimento, uma vez que mesclava elementos da cultura internacional à música brasileira, prezando pela universalidade. O movimento ganhou o nome de Tropicália com base na obra homônima de Hélio Oiticica[17], que tinha como base a mescla de variadas tendências artísticas, assim como a música tropicalista se propunha a ser.
Gilberto Gil, por exemplo, defendeu a abertura do cenário musical brasileiro a outros gêneros e costumes musicais[18], o que permitiu a Caetano Veloso classificar o movimento como um neoantropofagismo. Isto é marcante no lançamento de Panis et Circensis, que, segundo Napolitano:

“... trazia uma colagem de sons, gêneros e ritmos populares, nacionais e internacionais. Em meio às composições do disco, assinadas por Gil, Caetano, Torquato Neto, Capinam e Tom Zé, com arranjo de Rogério Duprat, pode-se ouvir diversos fragmentos sonoros e citações poéticas, num mosaico cultural saturado de críticas ideológicas: Danúbio Azul, Frank Sinatra, A Internacional, Quero que vá tudo pro inferno, Beatles, ponto de umbanda, hino religioso, sons da cidade, sons da casa, carta de Pero Vaz de Caminha, etc.”[19]

Mas qual era o sentido que os tropicalistas tomavam em meio a esta complexidade musical? Napolitano diz que eles questionavam a própria tradição do nacional-popular (juntamente com seus heróis, o jovem e o povo), e a consideravam conservadora e arcaica[20], mesmo que incorporassem a mesma como parte de suas estéticas musicais. Tal atitude demonstra problemas internos do movimento musical engajado.
O ritmo eletrificado e a fusão com o gênero pop internacional eram vistos pela esquerda como desvios do que era proposto pela tradição esquerda nacionalista[21]. O movimento liderado por Gil e Caetano tinha por objetivo acabar com as barreiras que limitavam o movimento artístico, sobretudo, no que dizia respeito à contestação social e às restrições do nacional-popular.
A crítica mais ferrenha da Tropicália à cultura nacional-popular data do ano de 1968 e denunciou a necessidade de radicalização da música engajada. Não se podia mais adiar a revolução e, para isso, segundo Napolitano, as canções deveriam ser mais ligadas às questões sócio-políticas e não simples manifestações culturais televisivas.
Caetano Veloso evidenciou, em discurso de desabafo, proferido no III Festival da Canção, que, por um lado, a música engajada estava passando por uma radicalização. E, por outro, deixou claro os diversos conflitos culturais dentro da mesma. Sua fala mostra os conflitos musicais entre emepbistas e tropicalistas[22].
Quando disse “São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem!”[23], atentou para o fato de que a juventude, com sua negatividade às novidades dentro da arte engajada, seria inútil com relação à política. Aproximando-se do fim do discurso, em tom irônico, diz debochadamente: “Se vocês forem… se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!”[24]. Caetano insinuou que as escolhas políticas dos jovens são tão desastrosas quanto às suas escolhas estéticas e isso seria um problema pra sociedade. E como tendências estéticas desastrosas, com poderiam se pretender tão revolucionárias?
O cantor ainda fez uma comparação da juventude ao grupo de anticomunistas que espancou o elenco de Roda Viva (peça que foi a principal manifestação teatral do movimento tropicalista[25]), ao dizer que eram iguais “àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada”
Em cima do palco, Caetano Veloso falava convictamente e chamou atenção para o fato de que a arte musical esquerda-nacionalista estava querendo “policiar a música brasileira” e se fechava para as novas tendências musicais, que também eram contestatórias e se reivindicavam como pertencentes à esquerda nacionalista, bem como pregavam a necessidade de revolução, compartilhando, como Ridenti falou, a mesma “estrutura de sentimento”.
Em seu discurso, Caetano deixou claro que não queria ter que seguir uma forma imposta e engessada para protestar socialmente. Ele queria fazer sua música sem qualquer tipo de impedimentos. Mas seu trabalho foi considerado como inadequado ao espírito nacionalista das canções-engajadas. O cantor confirma isso quando diz:

“O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso!”.[26]

            Neste trecho fica evidente a crítica de Caetano a não aceitação, dentro do movimento da música engajada, de influências que não fossem unicamente brasileiras. Isto era visto pelos artistas da Tropicália como verdadeiro absurdo, pois consideravam que o ato de ignorar outras influências era um ufanismo próximo à mentalidade do nazismo[27]
            O discurso de Caetano apenas confirma a posição de Napolitano ao dizer que a própria música politicamente engajada estava passando por problemas de questionamento interno[28] e o quanto a mesma não foi homogênea[29]. Sua fala revelou as inúmeras contradições do próprio movimento musical politicamente engajado, que, naquele momento, caiu nos reducionismos a respeito do que, dentro do mesmo, merecia ou não aparecer na televisão/festivais, por ser realmente engajado/nacionalista ou não.
Mas o impacto social do tropicalismo contra esse estado de coisas, com seus inúmeros questionamentos musicais, não foi em vão. Tal impacto possibilitou que a MPB pudesse se modificar[30]e, progressivamente, o movimento foi promovendo aberturas e inserindo estilos musicais que a MPB e Bossa Nova até então negavam, como o bolero e as marchinhas[31].
Pode-se dizer que a Tropicália promoveu uma revisão da MPB[32] e mesmo com toda a divergência e os embates iniciais, Napolitano diz que a imposição do Ato Institucional Nº 5, que marcou o auge da repressão do Regime Militar, foi de suma importância para a música brasileira, pois acabou provocando a união dos estilos empebistas e tropicalistas, o que possibilitou a formação de uma “frente ampla musical”[33] contra um inimigo comum. Com o tempo, o tropicalismo foi se modificando, perdendo suas características anti-emepebistas e, com isso, sendo abarcando pela MPB, que foi afirmando seu espaço, sendo cada vez mais marcada pelo aspecto da pluralidade[34] musical.    

Referências Bibliográficas:

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999.
NAPOLITANO, Marcos. História e Música – História Cultural da Música Popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

NAPOLITANO, Marcos. “Forjando a Revolução, remodelando o mercado: arte engajada no Brasil (1956-1968), In: Nacionalismo e reformismo radical. FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp 585-617

__________________;VILAÇA, M, M. Tropicalismo: As Relíquias do Brasil em Debate. Revista Brasileira de História. Vol. 18, n.35. São Paulo, 1998, pp. 1-11.

RIDENTI, Marcelo. Artistas e intelectuais no Brasil pós-1960, In: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, pp 81- 110.

Fonte trabalhada:

Discurso “É proibido proibir” feito por Caetano Veloso em 1968. Retirado do site: <http://tropicalia.com.br/identifisignificados/e-proibido-proibir/discurso-de-caetano>. Acesso em: 08/09/2013, às 1



[1] FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 478.
[2] RIDENTI, Marcelo. Artistas e intelectuais no Brasil pós-1960, In: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, pp 81- 110. p. 82.

[3] NAPOLITANO, Marcos. “Forjando a Revolução, remodelando o mercado: arte engajada no Brasil (1956-1968), In: Nacionalismo e reformismo radical. FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp 585-617. p. 606.
[4] Ibidem p. 607.
[5] Ibidem p.p. 607-608.
[6] Ibidem p. 608.
[7] Ibidem p. 607.
[8] Ibidem p. 608.
[9] Ibidem p. 609.
[10] Ibidem p. 610.
[11] Ibidem p. 587.
[12] Ibidem. p. 611.
[13] Ibidem. p. 588.
[14] NAPOLITANO, Marcos. Forjando a Revolução...Op. Cit. p. 611.
[15] Ibidem. p. 611.
[16] NAPOLITANO, Marcos; VILAÇA, M, M. Tropicalismo: As Relíquias do Brasil em Debate. Revista Brasileira de História. Vol. 18, n.35. São Paulo, 1998, pp. 1-11. p. 2.
[17] Ibidem. p. 3.
[18] Ibidem. p. 6.
[19] Ibidem. p. 6.
[20] NAPOLITANO, Marcos. “Forjando a Revolução...” Op. Cit. p. 612.
[21] Ibidem. p. 612.
[22] NAPOLITANO, Marcos. História e Música – História Cultural da Música Popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 66.
[23] Discurso “É proibido proibir” feito por Caetano Veloso em 1968. Retirado do site: <http://tropicalia.com.br/identifisignificados/e-proibido-proibir/discurso-de-caetano>, em 08/09/2013, às 15:31h.
[24] Trecho do discurso “É proibido proibir”, disponível em <http://tropicalia.com.br/identifisignificados/e-proibido-proibir/discurso-de-caetano>.
[25] NAPOLITANO, Marcos; VILAÇA, M, M. Tropicalismo: As Relíquias do Brasil...Op. Cit. p. 2.
[26] Trecho do discurso “É proibido proibir”, disponível em <http://tropicalia.com.br/identifisignificados/e-proibido-proibir/discurso-de-caetano>.
[27]  NAPOLITANO, Marcos; VILAÇA, M, M. Tropicalismo: As Relíquias do Brasil...Op. Cit. p.
[28] NAPOLITANO, Marcos. Forjando a Revolução... Op. Cit. p. 612.
[29] RIDENTI, Marcelo. Artistas... Op. Cit..p. 94.
[30] NAPOLITANO, Marcos. História e Música... Op. Cit. p.67.
[31] Ibidem. p. 68.
[32] Ibidem. p. 67.
[33] Ibidem. p. 69.