sábado, 22 de março de 2014

Por Tiago Oliveira Azevedo

Civitella in Val di Chiana
Em sua obra, Portelli começa expondo relatos de sobreviventes de um massacre em uma pequena cidadezinha da Itália em 29 de junho de 1944.Tudo indica que essa retaliação foi decorrente da morte de três soldados alemães por membros da Resistência (partisans), no pequeno vilarejo de Civitella Val diChiana, em 18 de junho de 1944.
Para a memória oficial da Resistência, a culpa do massacre é dos alemães, enquanto sobreviventes do massacre culpam a própria Resistência pelo triste episódio ocorrido naquela cidade. Esse acontecimento segundo Giovanni Contini gerou o que ele denota de “memória dividida”.
Testemunha do massacre, o padre Daniele Tiezzi, acha que essa mobilização da Resistência, o ataque que culminou na morte de três soldados alemães, foi um ato irresponsável e que pode ter contribuído (de forma direta ou indireta)para a retaliação nazista que culminou na matança. Em seu ângulo de vista, os membros da Resistência não eram muito organizados e nem politizados, assim para o padre, a ação dentro dos muros do povoado só teria piorado as coisas, pois toda população da pequena cidade foi envolvida no conflito sem que a Resistência pudesse defendê-la de uma iminente retaliação nazista. Mas Tiezzitambém enfatiza que quem puxou o gatilho foram os alemães e que os atos irresponsáveis dos membros da Resistência não poderiam isentar de culpa maior os militares nazistas envolvidos neste triste e histórico episódio.
Para Portelli essas duas memórias, da Resistência e da população de Civitella, entraram em choque pelo fato da população entender as celebrações da Resistência uma afronta às vítimas do massacre. Em 1994, em uma tentativa de reparar a memória da Resistência, foi criada a conferência internacional, In Memorian: por uma Memória Européia dos Crimes Nazistas, coordenada por acadêmicos com tendências esquerdistas. Segundo Portelli:

Essa reparação, porém, teve lugar num contexto histórico ambíguo, no qual a esquerda, incerta quanto a seus motivos e precavida quanto a qualquer tipo de ideologia, muito frequentemente adota, sem questionar, os motivos e as ideologias de terceiros, inclusive de seus antigos adversários. (p. 106.).
           
Portelli reforça que ao se tratar de memória dividida, a tarefa do historiador é ser crítico na análise dos fatos mantendo o respeito às pessoas envolvidas na situação. Em suas palavras ele explica: “Na verdade, estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas e internamente divididas, todas de uma forma ou de outra, ideologicamente e culturalmente mediadas.” (p. 106). Assim, a memória sofre alterações tanto pelos relatos dos membros da Resistência, quanto pelos depoimentos da população que de certa forma culpa os partisans pelo massacre. Ademais, a dramaticidade e emoção nos depoimentos prevaleceram sobre a análise e interpretação do ocorrido gerando assim contradições nos depoimentos.
Essas contradições são observadas por Clemente que explica que o modelo progressista de pensar da Resistência não levara em consideração fatores como o luto comunal da população, assim essa memória ignorava experiências que não seguem seus modelos institucionais. Para Portelli o pensamento religioso, sobretudo o pensamento católico, também não está isento de tal contradição. As narrativas das testemunhas estão apoiadas no sentimento comunal que de certa forma são mediados pela religiosidade e pela política. Contudo essas narrativas também merecem apuração crítica. 
Pierre Clemente chama a atenção para o fato no qual a memória coletiva acusa membros da Resistência de serem os causadores do massacre em Civitellaapoiados somente em questões políticas e do senso comum de pessoas que não se preocupavam em tomar partido contra o fascismo italiano. Ele também cita também que alguns órgãos oficiais do Vaticano já teriam culpado a Resistência, em uma outra ocasião, por um outro massacre nazista em que 335 civis também foram executados na cidade de Roma em retaliação a morte de 32 soldados alemães. Para ele é uma falha da historiografia da Resistência nunca ter levado em consideração tal senso comum, apoiado pelo fascismo,que manchou aimagemdos partisansna arena política atual.
Os depoimentos, tanto dos sobreviventes do massacre, quanto dos membros da Resistência, segundo o autor, também sofrem modificações com o decorrer do tempo. Nos relatos colhidos dos sobreviventes de Civitella, em um primeiro momento, esses não culpavam os membros da Resistência de forma aberta e direta. Contudo, meio século mais tarde, nota-se que esses relatos foram se modificando e observa-se também que o sentimento de culpa dos partisansno massacre foi tomando proporções cada vez maiores nesses relatos coletivos. Assim, fica explícito que o repúdio contra os alemães colhidos nos depoimentos das testemunhas em 1946, dão lugar, posteriormente, a narrativas carregadas de mágoas contra a Resistência nos depoimentos recolhidos dos sobreviventes em 1994 .
Segundo Portelli:
Vários são os fatores responsáveis por essas mudanças. As testemunhas talvez relutassem em criticar os membros da Resistência no período imediato no pós-guerra, quando estes gozavam de prestígios e de certo poder político; os abusos cometidos pelos membros da Resistência após a guerra, para “punir” pessoas respeitadas pela comunidade e que não haviam sido mais fascistas do que as demais, acentuaram a hostilidade do povo de Civitella; a onda de julgamento dos membros da Resistência, as controvérsias acerca da responsabilidade por Fossas Ardeatinas e a consolidação do senso comum já citado podem ter conferido ao ressentimento dos sobreviventes um aparato negativo e ideológico que à época do depoimento anterior ainda não tomara forma. (p. 110.).

Inocência

Os relatos dos sobreviventes de Civitellaquase sempre se convergem na antítese que figura a passagem da calmaria para caos. É notório nesses relatos que o ponto de partida para o caos foi justamente a morte dos soldados alemães e não o próprio massacre cometido por eles. Segundo os sobreviventes, até então todos viviam na calmaria do vilarejo que, mesmo próximo ao campo de batalha, proporcionava a população uma vida tranquila e sem infortúnios de guerra. Sobre os soldados alemães um sobrevivente relatou que: “[...] às vezes, chegavam a entrar nas casas para pedir uma bebida ou algo assim, mas nunca nos incomodavam”. (p. 112).Calamandrei e Cappelletto nesse mesmo parágrafo chamam essas representações de “paraíso perdido” e “era da inocência”.
Essas referências -- paraíso e inocência -- segundo Portelli são representações estranhas ao se tratar de um povoado sobre ocupação nazista e que é necessário relacioná-las com os fatos. Contudo, as memórias dos sobreviventes de Civitella são carregadas de recordações puras que são moldadas pela alegria da adolescência das testemunhas (muito jovens naqueles dias que antecederam o massacre) e muitas vezes essa pureza fixada na memóriadeles ainda é mantida no discurso oral,sem sofrer alterações quando narrada anos mais tarde pelas testemunhas. Enfim, esses relatos são imutáveise com o decorrer do tempo influenciam na ocultação das ações mais graves cometidas pelos soldados alemães naquele contexto de guerra.
Portelli observa queCivitella era uma cidade elitista, separada da zona rural por muros, assim não mantinha relações com camponeses. Sua população também não conhecia as articulações territoriais e as mobilizações de classes. Nota-se que já havia uma antipatia por parte dos moradores da pequena cidade contra os trabalhadores e camponeses (classe que integravam o corpo da Resistência) quando estes começaram a andar pela cidade em um contexto pré-guerra. Segundo o autor: “A raiva contra os membros da Resistência pela matança irresponsável dos alemães dentro dos muros do povoado também comporta o sentimento de invasão do espaço do povoado pelas classes inferiores do campo". (p. 114.). Portelli ainda ressalta que:

Existe, portanto, um duplo deslocamento, temporal e espacial. No espacial, os invasores são os membros da Resistência, ao invés dos alemães. No temporal, a história não tem início com a guerra, ou mesmo com a primeira vítima local dos alemães, mas só com a primeira reação com os membros da Resistência. (p. 114.).

Não que os sobreviventes neguem que as incursões e as lutas da Resistênciacontribuíram para o renascimento da Itália no pós-guerra, observasse que esse ressentimento é direcionado somente para a Resistência local, por todos esses fatores políticos e ideológicos apresentados pelo autor. É o que Portelli chama de “não no meu quintal” expressão muito usada pelo senso comum. Contudo, em um balanço geral dos fatos, não se pode negar que a Resistência tenha contribuído de forma ativa para a libertação da Itália e que culpa-los pelas atrocidades do massacre é simplismo quando não se leva em consideração os outros vários fatores que estão ocultados nas entrelinhas das representações e relatos dos sobreviventes de Civitella.

Mito e política

Fatores religiosos também são encontrados nos depoimentos dos sobreviventes de Civitella. Segundo o depoimento de uma sobrevivente do massacre, um padre da cidade teria se oferecido aos nazistas para morrer no lugar do povo em um ato de martírio cristão.
Relatos inerentes à memória coletivatambém narram que soldados alemãesteriam se negado aexecutar moradores do vilarejo naquela manhã de 20 de junho, dia da retaliação, e queteriam sido mortos por seus oficiais por desobedecerem à ordem. Ainda segundo relatos do Padre Enrico Biagini, ele teria perdoado anos depois,dois alemães, sendo um soldado da divisão militar alemã, que o procuraram e alegavam arrependimento de ter participado do massacre de 1944 no vilarejo. Em suas palavras o Padre Biagini relata: “Sou um dos alemães que aqui estiveram para retaliação naquele dia. Diga ao povo deste povoado, padre, que éramos muito jovens e que Hitler envenenou nossa juventude. Peço perdão para todos”. (p. 120.).
Portelli questiona o padre por não ter pedido aos visitantes alemães seus nomes e endereços ou a divisão militar a qual estavam submissos. O autor ainda levanta a questão de que esse ato do“perdão” pode ter origem no mito cristão que consiste em perdoar o inimigo. O que realmente surpreende Portelli é que esse perdão comunal ainda não teria sido consumado aos partisians. Em suas palavras sobre o não perdão comunal aos membros da Resistência Portelli explica: “[...] os alemães se arrependeram, os membros da resistência não. Dessa forma Civitella pode manter sua imagem de comunidade cristã, quanto seu ressentimento contra os membros da resistência” (p.122.).
As origens dos mitos também são questionáveis segundo o autor e sempre estãorelacionadas às tragédias que ceifam vidas inocentes. Mitos conhecidos por toda à Europa como o mito do “bom alemão” são apoiados em contos folclóricos que por muitas vezes são inspirados nos evangelhos apócrifos.  Nuto Revelli, historiador e líder a Resistência, exemplifica essas ambiguidades em torno dos significados dos mitos, selecionando o mito de um soldado nazista, bem simpático, que cavalgava pelos campos italianos distribuindo doces para as crianças. Essa imagem pode ser entendida também pela a lógica de mais um soldado nazista patrulhando os campos da região, seguindo às ordens bestiais e mal intencionadas de seuFührer. Assim, Nuto Revelli tenta explicar que os mitos podem ocultar significantes importantes para a compreensão dos fatos.
Em última análise às memórias divididas, comunal dos sobreviventes do massacre einstitucional da Resistência, devem ser compreendidas pelas subjetividades intrínsecas aos relatos dos indivíduos envolvidos no massacre, pois no caso de Civitella, o discurso de ambas as partes (partisianse moradores) são carregados por sentimentos de dor e de luto, mediados por ideologias, linguagem, senso comum e explicações institucionais. O conceito “memória dividida” é plural e deve ser estudado e reconstruído de forma crítica com o intuito de eliminar essas dicotomias que se estendem por gerações, possibilitando assim para o estudioso maior entendimento dessas múltiplas representações.

Referências Bibliográficas:

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civittela Val diChiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (orgs.). Usos & abusos da história oral. 1a edição 1996. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 103-130.

Site da imagem: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Civitella_in_Val_di_Chiana,_piazza_principale.jpg

sexta-feira, 21 de março de 2014

Por Rafael Oliveira

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A República Federativa Socialista da Iugoslávia era formada por seis repúblicas – Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro, Sérvia – e por duas províncias autônomas – Kosovo e Vojvodina. A Iugoslávia foi formada[1] com o intuito de comportar os eslavos do Sul, órfãos do império Austro-Húngaro[2], após a sua derrota e extinção ao fim da Primeira Guerra Mundial. Assim, a Iugoslávia (Iug, significa sul enquanto Slav, significa eslavos) foi o local onde vários grupos de pessoas com cultura e costumes distintos[3] tiveram de conviver harmonicamente, sob o mesmo governo e no mesmo Estado.

Durante 35 anos, o país viveu em “clima de paz”[4] sob o comando de Josip Tito, um dos líderes do Partido Comunista, responsável pela estruturação e aplicação do socialismo no país. Porém, quando da morte de seu líder, em 1980, as repúblicas começaram a ganhar maior autonomia em suas ações[5]. Uma década depois, o país enfrentava uma guerra civil onde várias repúblicas buscavam sua independência. Diante disso, tentaremos, nessas poucas linhas, apontar fatores que podem ter sido responsáveis pela desintegração da Iugoslávia.

A questão econômica

Paralelamente a morte de Tito, a economia do país entrou em uma grande crise[6]. Porém a crise econômica, não foi sentida em igual proporção em todo o país.

Omar Ribeiro Thomaz nos diz que

Desigualdades econômicas entre as distintas repúblicas e regiões criaram imensas disparidades entre as mais “ricas” – mais próximas da “Europa Ocidental” – e as mais “pobres”. A Eslovênia e a Croácia ostentavam melhores índices de emprego e qualidade de vida, enquanto a Macedônia e, sobretudo, a província de Kosovo — de maioria albanesa — registravam índices que as aproximavam dos países do Terceiro Mundo. [7]

 Essa situação propiciou o surgimento de novos personagens no cenário político das repúblicas e do país. Um desses personagens foi Slobodan Milosevic.
Milosevic.
 http://www.slobodan-milosevic.org/images/milosevic-1.jpg
Milosevic vinha motivando o nacionalismo sérvio, ao alegar que embora a república tivesse um terço da população do país, tinha apenas um oitavo do poder na federação[8]. Ele queria a centralização do poder na Sérvia, criando o que ele chamou de Grande Sérvia.[9] Tal situação fomentou as teorias nacionalistas dos diferentes grupos existentes no país.[10] Embora a Iugoslávia ainda existisse, cada vez mais as pessoas se autodefiniam pelo seu grupo étnico, e não mais como iugoslavo.[11] Vizentini nos diz que

[...] devido ao desgaste político-ideológico do socialismo e ao temor das minorias sérvias que viviam nas demais repúblicas, bem como por reação ao crescente nacionalismo destas, um número cada vez maior de sérvios evoluiu para posturas nacional-chauvinistas. Assim, as identidades étnicas foram sendo construídas (ou reconstruídas, em alguns casos) com fins políticos pelos líderes, encontrando terreno fértil devido ao caos social. [12]

            Tito conseguia balancear os interesses das várias repúblicas em prol do todo Iugoslávia.[13] Quando de sua morte, e com a grave situação econômica que assolou todos os países socialistas, os movimentos separatistas começaram a ganhar força graças a discursos de líderes carismáticos, como Kucan na Eslovênia e Tudjman na Croácia.[14] Aproveitando o momento de crise no país, a proximidade do Ocidente, o fato de serem repúblicas mais ricas do que as demais, e o apoio de alguns países – como a Alemanha[15] – , eles decretaram a independência de suas repúblicas da federação iugoslava, em setembro de 1991.[16]
Estava decretado assim, o começo do fim da Iugoslávia.

A questão étnica

A mídia que cobria o processo de desintegração da Iugoslávia atribuía ao caráter da diferença étnica o principal fomentador do processo.[17] Jurandir Soares segue a mesma linha, dizendo que nos Bálcãs havia “conflitos de natureza étnica e religiosa”.[18] Porém, Vizentini discorda de tal razão:

É o que o politólogo Mette Skak denominou criticamente de “teoria da bela adormecida”, que define o conflito como um confronto étnico, o qual teria sido reprimido pelos comunistas e, com o enfraquecimento destes, simplesmente teria despertado. A esse respeito, há que se considerar que os grandes povos da Iugoslávia pertencem ao mesmo grupo étnico, e suas diferenças são menores do que se apregoa.[19]
Robin Blackburn vai na mesma vertente ao dizer que
as paixões que animaram esse desastre não podem ser atribuídas apenas, nem mesmo primordialmente, a antigas inimizades. Embora estas tenham desempenhado seu papel, receberam uma nova e potente virulência, temeridade e desespero de fúrias modernas tais como desenvolvimento violentamente desigual, hiperinflação, desemprego em massa, programas de austeridade, demagogia da mídia, militarismo, corrupção política, totalitarismo étnico e aquele frenesi intolerante de maiorias instáveis que se poderia chamar de demência democrática.[20]
Vizentini completa:
Os sérvios e os bósnios de hoje pouco têm a ver com os da Idade Média. A adesão popular aos micro-nacionalismos ou aos nacionalismos tribais e sua disposição para seguir líderes “fanáticos” ou mesmo cometer crimes são uma consequências do colapso das instituições e dos movimentos políticos da modernidade. Enfim, são uma terrível manifestação de populações ameaçadas pelo medo. O caráter étnico representa a forma de um conflito social, político e econômico em um mundo em desmoronamento.[21]
            Assim, podemos perceber que não há consenso na historiografia sobre a importância da questão étnica na desintegração da Iugoslávia. Enquanto alguns, como Jurandir Soares, acreditam que o conflito teve como principal fomentar questões étnico-religiosas, outros como Blackburn e Vizentini veem importância na questão étnica, mas apontam outros fatores que motivaram a guerra civil.
            Não podemos negar que a questão étnica foi utilizada durante o confronto, onde todas as repúblicas realizaram verdadeiras “limpezas étnicas” embora só a Sérvia seja vista como vilã na história.[22] Porém, resumir à questão étnica um conflito que envolve vários aspectos da sociedade iugoslava parece simplificador demais, além de negar que aspectos econômicos, sociais e políticos são importantes para se entender todo o processo.

A questão internacional

             Um dos fatores importantes para se entender o fim da Iugoslávia, é a ação internacional. Como já dito anteriormente, a Croácia e a Eslovênia tiveram apoio da Alemanha na proclamação de independência. Nas palavras do chanceler alemão Kohl,

Nós conseguimos nossa unidade através do direito de auto-determinação. Se nós alemães pensamos que tudo o mais na Europa pode ficar como está, se nós seguimos a política do status quo e não reconhecemos o direito de autodeterminação da Eslovênia e da Croácia, então não temos credibilidade moral ou política. Nós devemos começar o movimento na Comunidade Europeia que leve ao reconhecimento. (grifos no original)[23]

            Com o desenvolvimento do conflito, principalmente na Bósnia, a ONU enviou tropas para tentar evitar o confronto entre as partes, porém não obteve sucesso.[24] Foi nessa conjuntura que entrou em cena a OTAN. O discurso oficial era de que a OTAN iria para os Bálcãs para defender a população civil que estava sendo massacrada.[25] Mas na prática, a OTAN entrou em armas a contra os sérvios, chegando a bombardear seus depósitos de armas.
            A questão da Iugoslávia gerou muita discussão no cenário internacional, principalmente na União Europeia. Com o envolvimento da OTAN, o conflito tomou proporções maiores e aumentou o caos. Além disso, serviu também para massificar a imagem de vilão para a Sérvia, vista como principal adversária das forças de paz da ONU e da OTAN.[26]


Conclusões

            Podemos perceber que a questão da desintegração da antiga Iugoslávia é bastante complexa. Os Bálcãs que já foram conhecidos como a “pólvora da Europa” explodiu em conflitos sanguinários e horrendos. A Europa que, depois do Nazismo, não esperava ver tantos horrores contra a humanidade, viu novamente em seu território campos de concentração, racismo étnico, mortes, ataques a civis, etc.
            Acreditamos que a junção de fatores como o fim do bloco socialista, a crise econômica, o surgimento de líderes carismáticos que brandeavam pelo nacionalismo étnico, a intolerância religiosa, entre outros, levou ao fim o Estado que já surgiu multifacetado e que durante muitos anos foi uma alternativa ao modelo socialista soviético, levando grande parte de sua população a condições de vida inimagináveis no pós-guerra.

Antiga Iugoslávia atualmente.
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Referências bibliográficas
ARAUJO, Rodrigo Ulhoa Cintra de. Sobre causas do desmembramento da Federação Iugoslava. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-17042002-233019/>. Acesso em: 2013-11-09.
BLACKBURN, Robin. O Esfacelamento da Iugoslávia e o Destino da Bósnia. Tradução de Otacílio Nunes. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997. Disponível em: < novosestudos.uol.com.br/v1/files/.../81/20080626_o_esfacelamento.pdf‎> Acesso em: 09 nov. de 2013.
SOARES, Jurandir. Iugoslávia – Guerra Civil e Desintegração. Coleção Temas do Novo Século 2. Porto Alegre - Ed. Novo Século, 1999.
THOMAZ, Omar Ribeiro. Bósnia-Herzegovina: a vitória da política do medo. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997. Disponível em: < http://www.novosestudos.com.br/v1/files/uploads/contents/81/20080626_a_vitoria_da_politica.pdf> Acesso em: 09 nov. 2013.
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A fragmentação da Iugoslávia: paradigma da afirmação das estruturas hegemônicas de poder. Revista FEE v.27, n.2, 1999. Disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewArticle/1796> Acesso em: 09 nov. 2013.



[1] Quando criada, tinha o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, vindo posteriormente a se chamar Iugoslávia, com Alexandre I.
[2] SOARES, Jurandir. Iugoslávia – Guerra Civil e Desintegração. Coleção Temas do Novo Século 2. p .14.
[3] Jurandir Soares e Paulo Vizentini nos dizem que os principais povos da Iugoslávia faziam parte do mesmo grupo étnico, com algumas diferenças culturais devido a influências que sofreram. Por exemplo, para Vizentini, “Os bósnios [...] são servo-croatas convertidos ao islã, como se viu, enquanto as línguas dos dois últimos são apenas variações do mesmo idioma, grafadas diferentemente”. In: VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A fragmentação da Iugoslávia: paradigma da afirmação das estruturas hegemônicas de poder. Revista FEE v.27, n.2, 1999.
[4] Havia pequenos conflitos, mas sempre remediados por Tito.
[5] Foi formado um colegiado das Repúblicas para dirigir o país até ser convocada eleições.
[6] SOARES, Jurandir. Op. Cit., p. 36.
[7] THOMAZ, Omar Ribeiro. Bósnia-Herzegovina: a vitória da política do medo. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997.
[8] SOARES, Jurandir. Op. Cit., p. 39.
[9] Idem, p. 40.
[10] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 35
[14] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[15] Antiga aliada na Primeira Guerra Mundial. In: MOMCE, Adilson Prizmic. Nacionalismos dos Eslavos-do-Sul de 1848 aos dias de hoje: Um estudo sobre a relação entre espaço, identidade e poder.
[16] Idem.
[17] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 69-70
[18] Idem, p. 92
[19] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[20] BLACKBURN, Robin. O Esfacelamento da Iugoslávia e o Destino da Bósnia. Tradução de Otacílio Nunes. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997.
[21] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[22] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[23] The Guardian, 02 de julho de 1991. In: ARAUJO, Rodrigo Ulhoa Cintra de. Sobre causas do desmembramento da Federação Iugoslava. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 84
[24] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 58
[25] Idem, p. 64
[26] Idem, p. 64.


quarta-feira, 19 de março de 2014


revolucaodiaria.blogspot.com
 Por Guilherme Maggesissi



            Introdução:

            Pelo próprio título desse trabalho já observamos uma complexidade e uma incongruência na articulação entre os dois fenômenos que serão estudados e, que estão apresentados no título de tal estudo. Porém, tal trabalho pretende analisar a importante relação que esses dois elementos tiveram demonstrando que um desses elementos, contribuiu como um forte fator para que houvesse o surgimento e a manutenção do outro.
Logo, para isso, teremos que romper com todos os pressupostos que temos a respeito sobre o que nos é mostrado e o que sabemos do movimento skinhead e iremos  aprofundar nosso conhecimento sobre o início de tal movimento estudando quais eram as primeiras vertentes ideológicas e culturais que tal grupo mantinha em seu início, em 1969, e como a partir da década de 70, este grupo foi adquirindo estruturas cada vez mais xenofóbicas e racistas.
Com isso, no primeiro capítulo iremos estudar o surgimento do movimento skinhead, quais eram suas ideologias e seus hábitos culturais e quem eram as pessoas que faziam parte desse grupo. No segundo capítulo, irei falar sobre as raízes jamaicanas passando de colônia da Inglaterra para um país independente em 1963, e farei um paralelo com outro fenômeno que estava surgindo em tal país crescendo junto com a euforia da independência, que é o surgimento do estilo musical denominado ska.

 O movimento Skinhead

No início do filme Skinhead attitude[1], o vocalista da banda de Ska “Bad Manners”, Buster Bloodvessel, diz que um verdadeiro skinhead, deve “amar seus Doctor Martens, amar a música ska, ter a atitude correta em seu coração e na cabeça, tem que gostar de futebol... e o mais importante, que é ser antirracista”. Podemos perceber nesse discurso, de um homem que é um dos precursores do movimento skinhead na Inglaterra, uma afirmativa que vai totalmente contra todo o estereótipo colocado nesse grupo urbano, que há muito tempo tem sido taxado estritamente de neonazista pela grande mídia e até por produções cinematográficas. Porém, como surgiu o movimento skinhead e por que eles foram taxados como sinônimos de caos urbano e ascensão neonazista na Europa e no mundo? É o que iremos estudar nesse capítulo.

O início

O movimento skinhead surgiu na Inglaterra no ano de 1969 oriundo de um outro grupo de jovens que se denominavam “Mods” (abreviação de modernists). Esses Mods eram rapazes que gostavam de andar de lambreta, usar cabelo curto, escutar música negra (Soul, Ska, Rhythm and Blues) e brigar com os Rockers, entre outras gangues. Já no final dos anos 60, tal grupo havia se dispersado ficando de um lado, grupos de rapazes mais intelectualizados, culminando em bandas como Pink Floyd e The Who e do outro, jovens que usavam a cabeça mais raspada e eram mais agressivos que foram logo chamados de hard mods.
Outro fator que ocorreu na Inglaterra durante a década de 60, é que com a independência da Jamaica (1962) e a crise estabelecida em tal país, vários jovens migram para a Inglaterra em busca de emprego e uma melhor condição de vida. Esses jovens oriundos da Jamaica (Muitos deles fazendo parte de gangues denominadas rudy boys), começaram a frequentar os mesmos bailes de ska e reggae que os mods e logo, houve uma compatibilidade entre esses dois grupos que se juntavam para dançar ao som do ska, beber e frequentar os estádios de futebol.  No final dos anos 60 essas brigas protagonizadas pelos hard mods nos estádios de futebol criaram grande repercussão na imprensa que os apelidaram de skinheads nome no qual eles são reconhecidos até hoje.
Porém, o que podemos perceber a respeito desse início do movimento skinhead, é que ele além de sofrer grande influência da cultura musical negra, oriunda principalmente da Jamaica, é que também, muitos skinheads eram negros e andavam junto com os brancos curtindo o mesmo som, e indo as mesmas festas. Com isso, um fator principal no qual hoje esse grupo é lembrado nos tempos atuais (como um grupo totalmente formado por neonazistas), era algo fora de questão no início de tal movimento, e era o fator antirracista, que prevalecia em tal grupo, nos tempos lembrados por muitos skinheads tradicionais como o ápice do movimento, que se remete ao ano de 1969.

Década de 70, o punk e o Nacional Front

Na década de 70, há o surgimento do movimento punk, que faz com que muitos jovens dentre eles, jovens skinheads, aderissem ao novo movimento. Contudo, influenciados por bandas como Sham 69, U.K. Subs entre outras, há surgimento do termo designado como “Punk Oi” que foi massivamente aceito pelo grupo de skinheads, fazendo deste, um novo estilo agregado por esse grupo.
Outro fator que desarticulou a estrutura do movimento skinhead durante a década de 70, foi o surgimento de um partido de extrema direita, denominado National Front, tal partido implantou ideias xenofóbicas e racistas em muitos jovens na Inglaterra durante tal época, agregando a ele também, jovens skinheads. Logo, ocorre uma generalização feita através dos grupos midiáticos, onde afirmava que todos os skinheads eram nazistas, apesar de haver nessa época, inúmeras bandas de reggae, de skinhead reggae e de vertentes que vinham pregando o não preconceito; essa vertente ficou conhecida como “2 Tone” e estava vigente e vigorando no movimento skinhead da época.
Assim, o movimento que antes era majoritariamente sem nenhuma intenção racista e que absorveu forte influência da cultura negra e da cultura jamaicana, foi  corrompida em parte, por partidos políticos de extrema direita que trouxeram para sua causa alguns jovens skinheads, onde a imprensa, fez o resto do trabalho generalizante, atribuindo a todos os participantes do movimento, como sendo adeptos à  ideologia Nazi-fascista. Hoje em dia, o movimento skinhead é dividido em várias vertentes, porém, não podemos esquecer a importante influência que a cultura negra representou e ainda representa em tal movimento.

Acervo Pessoal

 Jamaica: Colonização e independência

A Jamaica é um país localizado na América central, colonizado desde o século XVII (1670), pela Inglaterra. Tal colônia, teve como principal atividade ao longo da colonização inglesa, o cultivo de cana-de-açúcar, onde para incentivar e para aumentar a produtividade de tal atividade, a Inglaterra promoveu um crescente fluxo de escravos para trabalharem nesse setor em tal região.
Segundo Richard Price em seu artigo Reinventando a história dos quilombos: Rasuras e confabulações[2], a Jamaica e no Suriname são os países onde existem as maiores populações remanescentes de quilombos. Essa informação, nos mostra o grande número de populações negras residentes no território jamaicano, que vieram trazidas para trabalharem no cultivo de cana-de-açúcar. Logo, a partir do século XIX a população negra jamaicana superou em número a população branca habitada em tal local, e em conjunto com o crescimento populacional da população negra, há também um aumento do número de reivindicações e de revoltas de tal grupo por melhorias em suas condições de vida, liberdade e fim da escravidão.
  
Ska e independência jamaicana

Reúnam-se ,  irmãos e irmãs. Nós somos independentes , somos independentes. Junte-se as  mãos, as crianças começaram a dançar. Nós somos independentes , somos independentes...[3]

Em 5 de agosto de 1962 a Jamaica obteve sua independência da coroa Britânica. O clima de euforia se espalha pelo país, surgindo uma maior valorização para a cultura e para o nacionalismo jamaicano. Dessa nova demanda cultural, o ska passa a ganhar maior notoriedade nas ruas e nos bailes jamaicanos, tal estilo musical surgido nos fins dos anos 50 passa a se tornar o som sinônimo do que é ser jamaicano a partir do momento que tal país conquista sua independência e passa a valorizar hábitos e elementos culturais oriundos de seu próprio país.
O ska que é um estilo musical derivado do R&B (Rhythm and Blues), de elementos africanos, de influência do Soul e da música negra dos Estados Unidos, e também de estilos musicais derivados das ilhas caribenhas, que acaba pegando tais influências e adquirindo características próprias, tornando-se o primeiro som legitimamente jamaicano.
Assim, o processo de independência se juntou com o agitado ritmo que era o ska, acarretando na euforia do momento e contribuindo para a ascensão de tal ritmo na Jamaica, logo inúmeras bandas surgiram mostrando seu trabalho. O ska passa a ser reconhecido por todo o mundo ganhando adeptos até na Inglaterra, onde grupos de Mods se juntavam para agitarem ao som desse novo estilo.
Outro processo que o ska desencadeou, foi o surgimento de um grupo de delinquentes juvenis jamaicanos que eram chamados de “Rudy Boys”, esses grupos de rapazes se reuniam para brigar e para curtir o ska nos bailes jamaicanos. Logo, com um processo de crise que irá se implantar na Jamaica, tais delinquentes irão migrar para a Inglaterra em busca de melhor condições de vida e lá, encontraram com grupos de hard mods, grupo no qual eles irão ver que tem muito em comum.

Rudy Boys. Fonte: Acervo Pessoal


Conclusão

        Logo, a partir do estudo sobre o surgimento do movimento skinhead e também, a partir de um estudo sobre a história jamaicana, percebemos que o processo cultural e o surgimento de tal grupo (os skinheads), visto hoje pela grande maioria como neonazista, não está ligado estritamente a história da Inglaterra, e que também não está ligado somente a história da Jamaica; tal grupo está ligado também a todo um processo histórico que vem desde o momento em que os negros vieram pra Jamaica para trabalharem no cultivo de cana-de-açúcar. É no navio negreiro que chega toda população ascendente que irá desencadear um processo contestante e cultural proporcionando o surgimento do ska, o processo de independência jamaicana, e a própria cultura jamaicana que irá se espalhar pelo mundo.
            É da cultura negra que surgirá elementos fundamentais para o surgimento de tal estilo musical e de todos os seus derivados. Com isso, tais fatores que parecem tão longe um do outro, que é o movimento skinhead e o navio negreiro, estão ligados por um traço histórico, e reduzir tal movimento a um fenômeno estritamente ligado ao nazi-fascismo é algo de extrema ignorância sobre o assunto. Logo, os traços históricos que unem o movimento skinhead e toda a cultura e a história oriundas do navio negreiro, não serão apagados enquanto houver estudiosos curiosos em saber mais sobre as origens de determinado assunto e, um compromisso com a verdadeira história.

Acervo Pessoal


Referência bibliográficas

MARSHALL, George. Espírito de 69: A bíblia skinhead. Inglaterra: Trama, 1993.
PRICE, Richard. Reinventando a história dos quilombos: Rasuras e confabulações. Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n23_p241.pdf. Acesso em: 16/02/2014, 15:33:30.
VASCONCELOS, Wilson Santos de. Skinheads: O movimento e suas dissidências. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/43926406/Skinheads-o-movimento-e-suas-dissidencias. Acesso em: 16/02/2014, 18:09.

Referência Conematográfica:

SKINHEAD Attitude. Produção de Werner Schweizer. Produtora: Valentin Greutert. Suíça, França e Inglaterra:  , 2003. 1 videocassete.
LA HISTÓRIA del reggae. Produção: BBC. Londres. 2002. 1 videocassete.
           
           








[1] SKINHEAD Attitude. Produção de Werner Schweizer. Produtora: Valentin Greutert. Suíça, França e Inglaterra:  , 2003. 1 videocassete
[2] PRICE, Richard. Reinventando a história dos quilombos: Rasuras e confabulações. Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n23_p241.pdf. Acesso em: 16/02/2014, 15:33:30.
[3] Derrick Morgan. Música: Forward march. 1962
Por Leonardo Bispo Santos

       Francisco de Oliveira tem como objetivo em seu texto publicado nos estudos CEBRAP - edição datada de 1972, “contribuir com uma revisão do modo de pensar a economia brasileira”, abordando a fase em que a industrialização ganhou lugar preferencial para o sistema do pós-Revolução de 1930.[1] Essa revisão pretendeu acrescentar perspectivas que segundo o autor, em muito foram desconsideradas por análises “economicistas” e que por isso, precisariam ser trazidas à análise as variáveis da política e as condições políticas do sistema da época. Oliveira faz então logo no início de seu texto, uma afirmação que explica a inserção de aspectos como a política em seu texto, argumentando que “O ‘economicismo’ das análises que isolam as condições econômicas das políticas é um vício metodológico que anda de par com a recusa em reconhecer-se como ideologia”. [2] Podendo o leitor do texto, através dessa afirmação, fazer uma pergunta bastante importante: A quem serve essa ideologia? Pois a alguém ela serve.




      Após a brecha para a reflexão, o autor inicia sua argumentação criticando e mostrando a sua insatisfação quanto às interpretações sobre o pensamento socioeconômico latinoamericano desenvolvido pela vertente ‘cepalina’, que jazia presa à dualidade analítica, reforçando ainda, que seu trabalho vai no sentido oposto à referida interpretação. Oliveira reconhece e nomeia o fenômeno das interpretações ao estilo CEPAL, como também os seus fracos e colaboracionistas opositores, como sendo de “arsenal marginalista e keynesiano”, “comprometido com o ‘status quo’ econômio, político e social da miséria latinoamericana”, configurando-se como acríticos papagaios de modelos apreendidos em universidades anglo-saxônicas. [3]
      Depois de identificado e nomeado os “autores”, Francisco de Oliveira inicia a sua crítica ao pensamento dualista idealizado por eles. Vai dizer que o conceito de subdesenvolvido, com sua oposição polar de um setor “atrasado” para um setor “moderno” não se sustenta no plano da realidade, pois a mesma é constituída por uma “simbiose” e “organicidade” entre as duas. Mantendo esse sistema, uma “unidade de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’ [...]”. [4]  Esse “atraso”, como suscita o autor, seria uma “produção” da expansão do capitalismo, tendo o “subdesenvolvimento” latinoamericano se configurado para atender as necessidades por “uma reserva de acumulação primitiva do sistema global”. [5] Termina então, Francisco de Oliveira, essa primeira parte do texto indo direto a pergunta de, “A quem serve o desenvolvimento econômico capitalista do Brasil?”. Que a mesma explicita que a teoria do subdesenvolvimento foi uma ideologia que serviu a interesses de uma nova classe hegemônica nacional de burgueses industriais, que classificaram o desenvolvimento econômico capitalista do Brasil como de “interesse nacional”.[6]
      No segundo ponto do texto, Francisco de Oliveira vai abordar “o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial”, iniciado pela “revolução burguesa não clássica” da Revolução de 1930.[7] Em sua argumentação será apontado que “a reformulação do aparelho e da ação estatal”, como a regulamentação do trabalho e do preço do mesmo, serviu para destruir o modelo econômico agro-exportador e para introduzir um novo modo de acumulação dependente substancialmente de uma realização interna. [8] Nisso, a regulação entre o trabalho e o capital ocorrida através da CLT foi de extrema importância, pois serviu não como uma “medida artificial” ou “medida redistributiva” getulista, mas sim como uma medida que servia ao novo modelo de acumulação instalado a partir de 1930. Tal modelo funcionou com a implantação de um “salário de subsistência”, que atendia as necessidades da reprodução do capital e formava o “exército de reserva”. Proporcionando assim, a liberdade do capital de se ver livre da ampla concorrência, de poder igualar os salários e de instaurar novas relações de trabalho no campo, fazendo com que trabalhadores migrem para as cidades, alimentando o seu “exército de reserva” ao mesmo tempo em que enfraquecia a formação de classe entre os trabalhadores. [9]
      Nesse esquema bem arranjado, a “pré-capitalista” agricultura não estaria ‘fora de jogo’, mas sim inserida como parte do “desenvolvimento”. Atuando em conjunto com o setor emergente ela seria “mantida” e não estimulada, proporcionando através de seu “atrasado” sistema trabalhista constituído por mão-de-obra extremamente barata, além da migração de trabalhadores do campo para a cidade, uma produção de alimentos baratos para o consumo dos trabalhadores da cidade, que esses dois pontos em conjunto, resultavam em salários mais baixos e colaboracionistas com a acumulação industrial emergente. [10] E isso tudo aliado ao formato do Estado como regulador da economia, atuando de forma a pôr o modelo industrial no centro do sistema e estimulá-lo.[11] Enquanto que a estabilidade desse sistema estaria calcada no processo de acumulação pelo setor industrial, que por sua vez estaria calcado na formação e expansão do “exército de reserva” da cidade somado à precarização do trabalhador do campo, demonstrando esses fenômenos, que na realidade são uma unidade e não antagônicos. [12]
      O autor continua com suas críticas às análises do CEPAL, indagando que diferentemente de como foi tratado pela comissão e por Celso Furtado, a indústria “nunca precisou do mercado rural como consumidor”, pois sua orientação sempre foi para os mercados urbanos e para o seu modelo de crescimento industrial acontecer é necessário o setor do “atraso” e seu “proletário rural” reorganizado em simbiose de forças com o setor industrial. [13] A partir disso, entende-se então “que a industrialização sempre se dá visando, em primeiro lugar, atender às necessidades da acumulação e não às do consumo.” [14]
      Oliveira chama também a atenção para a questão do crescimento do emprego dos serviços ou do Terciário, acusado de “inchado” erroneamente, pois na realidade seria ele um crescimento que atendia a industrialização e a acumulação urbano-industrial, necessitada de infraestrutura e serviços que as cidades da época ainda não podiam cobrir. [15] Nesse contexto, serviços subalternizados e a intensa exploração da força de trabalho, se dão devido e para servir à acumulação e concentração de capital, alavancada com o “avanço” do “moderno”, ou seja, da industrialização. Essa exploração se dá em dinamismo, em que podemos ter como exemplo, o alto padrão de vida da classe média cerceada por “todo o tipo de serviços pessoais ao nível da família”, em que explora sobretudo a mão-de-obra feminina. Outro exemplo também seria a ocorrência do “trabalhador ambulante” e dos serviços realizados entorno aos bens de consumo duráveis, como o autor cita, a cada vez mais recorrente lavagem braçal de automóveis, que por sua vez se encontra com a frota cada vez mais numerosa. [16] Constatando então o autor, que enquanto que o consumo pessoal cresce e a indústria recupera o seu dinamismo, ao mesmo tempo a renda se torna ainda mais desigual, explicitando a relação próxima de completude entre o “moderno” e o “atraso”.
      Em sua terceira parte e última a ser abordada nesta resenha, Francisco de Oliveira argumenta que referente à articulação interna, diante da substituição das classes hegemônicas agro-exportadoras pelas urbano-industriais, “as classes trabalhadoras não tinham nenhuma possibilidade nesta encruzilhada”. Já diante da articulação externa, devido à crise de 1929 e o fim da II Guerra Mundial, o cenário internacional se configurou de tal modo a “obstaculizar” a articulação que vinha sendo feita no Brasil, pois seria reativado “o papel de fornecedor de matérias-primas de economias” deste país. Devido ao medo e da investida de se barrar o avanço do socialismo nos “países já desenvolvidos”, os recursos que poderiam ser aplicados nos países não-industriais foram desviados para a estratégia principal de reconstrução e blindagem dos países industriais. Com isso, é reservado e continuado por muito tempo aos países não-industriais, o lugar de produtor de matérias-primas e produtos agrícolas, o que significava para o Brasil a “estagnação e reversão à economia primário-exportadora”. [17]
      Apesar do “sentido político mais profundo” da revolução burguesa não-tradicional era o de mudar a estrutura de poder, colocando-se ela como a elite hegemônica, acabou ela por enfrentar uma conjuntura externa adversa. Dentro dessas tensões, o populismo se configurará como um operador da adequação entre o “arcaico” e o “novo”, fundando novas formas de relação entre o capital e o trabalho. Nascendo então, um “pacto de classes”, devido à necessidade, além de uma pressão de massas, da burguesia industrial impedir que a economia retornasse ao modelo anterior aos anos 1930. [18] Oliveira destaca ainda, que apesar do pacto e a legislação do trabalho também serem fruto de reivindicações das massas, ele serve mais aos interesses do acumulo de capital industrial do que ao interesse dos primeiros. A legislação do trabalho serviu para “expulsar” o custo da reprodução de trabalho da tutela das empresas, pois o salário-mínimo passaria a ser o compromisso máximo que as empresas teriam com os trabalhadores, podendo elas então, se concentrarem na acumulação e crescimento de sua produção. [19]
      Com isso, vimos através do texto que o autor nos oferece uma possibilidade de interpretação e crítica ao modelo ideológico dual comumente aceito. Diante das teses aqui demonstradas e comprovadas, tal modelo interpretativo não se sustenta, pois o capitalismo moderno, segundo o autor, se desenvolveu alimentando-se de formas socioeconômicas atrasadas, mantendo assim, as suas taxas de lucro e acumulação, não sendo então o “desenvolvimento” capitalista necessariamente o inverso do “atraso” econômico.



* O texto foi resenhado somente até a página 30, compreendendo esta resenha aos capítulos 1 - Uma Breve colocação do problema; 2 - O desenvolvimento capitalista pós-anos 30 e o processo de acumulação; e 3 - Um "Intermezzo" para reflexão política: Revolução burguesa acumulação industrial no Brasil. Não compreendendo então aos capítulos 4 - A aceleração do plano de metas: As condições da crise de 1964; 5 - A Expansão pós-64: "Nova Revolução econômica burguesa" ou Progressão das contradições?; e 6 - Concentração de renda e realização da acumulação: As perspectivas críticas. Ao todo, com todos os capítulos, o texto original alcança até a página 82.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
OLIVEIRA, F. de. A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista. São Paulo, Estudos CEBRAP, n. 2, 1972. pp.4-40.

REFERÊNCIAS DAS IMAGENS:
Imagem 1: Capa de uma das edições do livro. Obtida no site Mercado Livre. Link da imagem: http://bimg2.mlstatic.com/livro-a-economia-brasileira-critica-razo-dualista-francis_MLB-F-3801889565_022013.jpg

Imagem 2: "Orelha" do livro. obtida no site Mercado Livre. Link: http://bimg2.mlstatic.com/livro-a-economia-brasileira-critica-razo-dualista-francis_MLB-F-3801890002_022013.jpg



[1]OLIVEIRA, F. de. A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista. São Paulo, Estudos CEBRAP, n. 2, 1972. P. 5.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem, p. 6 e 7.
[4] Ibidem, P. 7-8.
[5] Ibidem, P. 8.
[6] Ibidem, p. 9.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem, p. 10.
[9] Ibidem, p. 9-12.
[10] Ibidem, p. 12-16.
[11] Ibidem, p. 14.
[12] Ibidem, p. 16.
[13] Ibidem, p. 20-21.
[14] Ibidem, p. 23.
[15] Ibidem, p. 29.
[16] Ibidem, p. 25, 29 e 30.
[17] Ibidem, p.34.
[18] Ibidem, p. 34-36.
[19] Ibidem, p. 37.